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Gabriel Francisco de Mattos 
Continua sendo arquiteto, professor universitário, Mestre em Educação e Doutor em Estudos de Cultura Contemporânea. Quer ser mais alguma coisa ainda, vai tentando por aí.

SINDERELLA 

Sindy, ou Sinderella Indayara Ferreira Ubaldino, estava muito triste por não participar de nenhum baile. Ela queria ir ao baile funk da Arena do Pancadão, ali no pé do Morro da Minhoca. Tinha certeza de encontrar ali o seu príncipe. MC Princep, o líder da balada, quase o rei do pedaço.


Claro, MC Princep não conhecia Sinderella, não sabia de sua triste sina de supergata borralheira; funcionária em estágio de experiência da BrilhoLimp Serviços Gerais, atualmente lotada na faxina do Juizado Emergencial de Pequenas Causas da 34ª Vara Cível. É, aquele predião caindo aos pedaços, perto do ponto final do 427 (Vila Universal – Morro da Minhoca).


Mas nossa princesa sonhava, sonhava apoiada no esfregão cheio de água sanitária, nos metros iniciais do longo corredor sombrio do JEPeC 34. 


Sua sina se completava com os maus tratos da madrasta, média funcionária da administração municipal, amasiada com um empresário casado, do qual ninguém sabia que empresa tocava. Apesar dos bons pistolões, nada utilizava para ajudar a vida da enteada, condenada ao rodo e ao esfregão. Tudo canalizava para as duas filhas mais velhas, produto paralelo do obscuro empresário. As duas já estavam encaminhadas, sendo caixas de afamada e movimentada loja de ponta de estoque ali próxima ao centro da cidade. Com as sobras do fim do mês, as duas estavam sempre em dia, com os figurinos da moda recentemente recolhida


E assim as duas se preparavam para o grande baile funk da Arena do Pancadão. Menosprezando a trabalhadora Sinderella.


- Nós vamos arrasar, Sindy. Olha só nossos shortinhos de cores berrantes, nossos bustiês de lantejoulas, não vai ter pra outra popozuda no pedaço!


Pobre Sinderella, que tinha de deixar o minguado salário com a madrasta e nunca teria fundo de garantia.


Nossa pobre coitada só tinha uma amiga, sua tia Fadrinha. Ou melhor Fátima da Farinha, do Box 48 do Centro de Abastecimento da Sub-Região de Peixoto Gomes, Zona Noroeste. Poderosa na comunidade, participativa e militante de vários movimentos ali do Morro da Minhoca; tinha pela sobrinha distante um amor sincero e genuíno, apesar de pouco conseguir influir na autoridade da madrasta.


- Oh, como sou infeliz, Fadrinha. Minhas irmãs sequestram qualquer roupinha mais tcham que eu consigo. Para ir ao baile só tenho meu vestido domingueiro de boa evangélica! – reclamava ao celular a coitadinha, trancada no quarto minúsculo do puxadinho ao lado da cozinha.


- Que é isso, Sindy, você faria sucesso até sem vestido. Se bem que a segurança não te deixaria entrar, você não faz parte do grupo de dança.


E já se ouviam os primeiros estrondos ao longe, lá na tão longínqua (para Sinderella) Arena.


Mas Fadrinha tinha lá seus segredos, e conseguiu desviar de seu caminho um grupo da divisão de alegorias e adereços do Grêmio Recreativo Amigos da Minhoca, que trazia de volta vários badulaques usados no show da Churrascaria Vaca no Espeto.


- Temos pouco tempo, Sindy, a gente te leva até lá no maior chiquê, mas tu deves voltar ainda no último 427. Escolhe aí o que quiser, só devolve depois, via Dona Fadrinha.


E ela foi estonteante, com miçangas e colares, biquini prateado e saia aberta rodada. Levou-a no carro alegórico oficial o ajudante de cabeleireiro Zezinho Bem-me-quer, de libré a D. João VI.


Foi um estouro, bem acima dos decibéis do pancadão reinante. MC Princep pulou em cima daquela supergata ex-borralheira. E sobrou alegria e descontração, com o convite dele, assoprado aos berros no ouvido dela, para “reinar no meu harém”. As irmãs bem que desconfiaram daquela descontraída, mas acabaram sendo levadas pela turba.


No entanto, a hora do último 427 chegou, e Sinderella teve que recolher a rebolada final e disparar para o ponto. Deixando atrás dela um rastro de desolação e desânimo. Que durou exatos dois minutos e quarenta segundos.


Não ficou o sapatinho, que aliás era uma botina militar de cano alto. Caiu um piercing do umbigo a mostra, que o MC Princep colocou bem visível no nariz, como chamariz para sua princesa. O problema é que não era o único piercing naquele lugar, o que dificultou bastante a visualização.    


Sinderella fugiu de casa. Virou desta que na Amigos da Minhoca, mas sempre dá umas voltas num baile funk. É, até que viveu feliz para um curto sempre.

© 2019 - Revista Literária Pixé.

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