

Flávia Helena
É professora de Literatura. Escreveu a peça TRAMA (ProAC 2013), a coletânea “Sem açúcar” (ProAC 2015) e o livro de crítica literária “O fabricante de textos”. Tem textos publicados em diversas antologias. Integra o Coletivo Literário Martelinho de Ouro.
DE ONDE NÃO BROTAM AS FLORES
Naquele lugar, é costume os próprios familiares prepararem seus mortos.
Por isso, quando o marido faleceu, a velha escolheu o terno de que ele mais gostava, a camisa, a gravata e colocou tudo em cima da cama.
Com uma pequena bacia de água morna e um paninho branco, começou a limpar o defunto.
Mais do que uma lavagem, aquilo era uma despedida, os antigos diziam. A oportunidade de materializar o adeus.
Chorando, esticou cada dobra. Virilha, pescoço, atrás das orelhas. E viu que não queria deixá-lo ir embora assim. Achou por bem guardar com ela uma parte de quem a tinha feito tão feliz.
Escolheu o sexo.
Cortou o órgão com uma navalha e pôs em uma caixinha de madeira. Depois, rápido vestiu o homem para que ninguém notasse o que ela havia acabado de fazer.
Quando os filhos chegaram, ele já estava com os cabelos arrumados e a barba aparada.
Passado o funeral, e todas as formalidades tristes da morte, era hora de pensar no que faria com aquilo que guardara.
Decidiu: plantaria em seu quarto. Dentro do guarda-roupa.
Não queria que os filhos se escandalizassem. Ou a chamassem de esclerosada. Imagina os netos saberem de uma coisa dessas.
Fez tudo sozinha.
Um dia depois do enterro, tirou o fundo de madeira do móvel que ficava rente ao chão. Quebrou o piso e removeu um bom tanto de terra. Com todo o cuidado do mundo, colocou o falo no buraco que havia feito e enterrou bem. Regou e jogou um pouco de adubo por cima.
Não demorou muito a brotar no lugar uma planta estranha que, miúda, perfumou a casa toda. Não dava flores, mas uma folhagem pontuda, sem cor definida.
Todos os dias, agora, ela corta três ramos do pequeno arbusto e prepara em sua banheira uma infusão na qual mergulha antes de dormir.