Fernando Tadeu de Miranda Borges
Membro da Academia Mato-grossense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo – USP, atualmente é professor Titular da Universidade Federal de Mato Grosso da qual foi pró-Reitor de Cultura, Extensão e Vivência.
NA REDE COM MARÍLIA BEATRIZ
LITERATURA, POESIA, TEATRO, CINEMA, DIREITO
Carioca da cuia era a advogada, poeta, escritora, membro da Academia Mato-Grossense de Letras, professora fundadora da Universidade Federal de Mato Grosso, Marília Beatriz de Figueiredo Leite (Marília Beatriz), que durante sua espetacular trajetória de vida movimentou a cena cultural cuiabana com poemas, peças teatrais, publicação de livros, leituras de textos, seminários, palestras, mostras de filmes, cursos de direito e participação em atividades de incentivo à leitura.
No cardápio da multifacetada personagem a cultura popular com todas as belezas do artesanato regional em cerâmica e as danças de cururu e siriri, que Marília Beatriz, na efervescência dos trabalhos culturais na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), nos seus anos iniciais, trouxe para perto, no intuito de fortalecer ainda mais essas atividades. Em entrevista, a Doutora Honoris Causa da UFMT, Senhora Domingas Leonor da Silva¹, relatou que a primeira apresentação de dança que fez em sua vida ocorreu em uma feira organizada por Marília Beatriz, quando o Grupo Flor Ribeirinha ainda nem havia sido criado e os participantes não possuíam “uniforme”.
Com relação às incursões pelo teatro seu esforço foi abissal para continuar animando a cidade através de peças produzidas e dirigidas localmente, descobrir talentos e criar profissionais interessados. O teatro alenta o mundo há séculos, ampliando conhecimentos e enriquecendo a percepção de todos. A sensibilidade de um dado tempo condensada num reduzido espaço de horas envolve a plateia ao ponto levar a um estado êxtase incontido. E, Marília Beatriz por ser uma divindade dionisíaca do teatro, de forte expressão e eloquência verbal, além de sedutora e envolvente, conseguiu formar um corpo teatral na região, antes mesmo da implantação da Escola de Teatro da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), em 2016, pelo Governo do Estado.
O envolvimento em várias frentes foi sempre de uma Estrela Dalva. Pertencente aos vários tempos e estações, envolveu-se em tudo de forma viva, e diante das partículas em permanentes vibrações visíveis, infinitas e invisíveis, compôs canções ao som da música do universo. Nem sol, nem lua, Marília Beatriz foi os dois ao mesmo tempo, a depender da tensão gerada no momento da criação.
Um ser viajante, que por onde passou colheu frutos, semeou idéias, doou mais que recebeu, e inventou sem medo ou pavor da crítica, posicionando-se com emoção, talento, prazer e conhecimento, instrumentos estes, imprecisos-precisos-imprecisos, para as experimentações desconhecidas e inusitadas da sua galáxia. Algumas vezes, incompreendida, outras vezes, compreendida, fez tudo ao seu modo, respeitando, contudo, as fronteiras, presentes nos campos energéticos tempestivos de ondas espumantes em movimentos sazonais tensos ou abatidos.
O cinema trouxe-lhe a aproximação com a mágica do mundo imagético, consubstanciada com o despertar de um tempo próprio dentro dos vários outros tempos, e transfigurada na dor silenciosa, visível e invisível muito mais dos outros do que dela mesma, por encontrar-se desvinculada da materialização enquanto criação simbólica da utilidade subjetiva. Sua descrença nessa construção não lhe trouxe a materialidade das coisas, mas pelo trabalho literário produzido, conseguiu a imortalidade.
Assim como o escritor Cassiano Nunes², entusiasta da literatura, escreveu para mim, em 1995, que “A Marcha para o Oeste não deve limitar-se ao advento benéfico do trator mas, principalmente a criar a expansão redentora do livro”, Marília Beatriz de Figueiredo Leite expandiu em vida os conhecimentos adquiridos, compartilhou experiências, produziu e divulgou livros, e formou cérebros, comprovando ter nas veias o sangue de seu saudoso pai, Dr. Gervásio Leite, grande jurista, escritor, cronista, professor fundador da Universidade Federal de Mato Grosso, presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, membro e presidente da Academia Mato-Grossense de Letras.
1 Entrevista concedida pela Senhora Domingas Leonor da Silva, Fundadora do Grupo Flor Ribeirinha, a Fernando Tadeu de Miranda Borges, no dia 13 de agosto de 2019, que na ocasião resumiu seus quase 50 anos de atividades e 27 de Grupo Flor Ribeirinha, a serem completados neste ano de 2020, “na hora que lê o histórico do Flor em todas as apresentações, em todos os países, em todas as cidades, sempre é falado Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. Então não falamos só de nós, é nosso Cuiabá, Flor Ribeirinha representando. Não é fácil divulgar a cultura.” Vale registrar, que o Grupo Flor Ribeirinha, em 2017, consagrou-se campeão mundial no 18º Festival Internacional de Cultura e Artes Populares, realizado em Istambul, na Turquia.
2 Cassiano Nunes, renomado intelectual brasileiro, lecionou literatura na Universidade de Brasília (UnB), lutou durante toda vida pelo acesso das pessoas aos livros, e por ocasião da fundação da sede da Editora Universitária da Universidade Federal de Mato Grosso (EdUFMT), em 1995, esteve presente, saudando a iniciativa. Essa frase foi enviada por ele para mim através de correspondência junto com outras duas para que escolhêssemos uma delas para a placa da EdUFMT. E, a frase escolhida foi “Tudo passa neste mundo, menos os livros, que registrando todos os fatos e idéias, afirmam a eternidade do espírito.”