Fernando Fiorese
É poeta, escritor, ensaísta e professor. Dentre outras obras, publicou Corpo portátil: 1986-2000 (reunião poética, 2002), Dicionário mínimo: poemas em prosa (2003), Murilo na cidade: os horizontes portáteis do mito (ensaio, 2003), Um dia, o trem (poemas, 2008), Aconselho-te crueldade (contos, 2010) e Um chão de presas fáceis (romance, 2015).
BUSTER KEATON EM 16 QUADROS
1.
Custa adaptar o corpo à roupa
acrescentar o ricto ao rosto
a máquina ao músculo.
2.
Para acionar o gesto
ou advogar o chapéu
precisa apurar
as engrenagens do olho.
3.
Entre a bicicleta e o abismo
o clown afronta nossos medos:
apenas o acidente
conserta o brinquedo.
4.
Uma mulher acena.
Por que Ítaca
quando Tróia me espera?
5.
Do caracol ao navio
o clown indaga:
onde estar
se desmantela a casa?
6.
Periscópio + rodas + catapulta:
o corpo futuro nos insulta.
7.
De acordo com Keaton
uma torquês basta
para operar o ciclone.
8.
Policiais e paralelogramos proliferam.
Também as noivas e os números
os bois e os bandidos.
Nascer exige mais apuro.
9.
Adiar o desastre. Adiar o riso.
O verbo antes. Depois o substantivo.
10.
Aplicada ao corpo
a lógica da roda
ri.
11.
Ao resguardo da câmera
Keaton desenreda
o étimo de Odradek.
12.
Porque o filósofo nunca ri?
Uma máquina
não foge do perigo.
13.
Duas bobinas
e o clown culmina
em zeros:
a elegância no apocalipse.
14.
A História se repete.
Até a comédia.
15.
Estar diante do mar
tendo as mãos como dique.
16.
Tudo caminha para a dissolução.
Apenas esse rosto permanecerá
imobilizado pelo abismo.