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Felipe Rodolfo de Carvalho
É doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP. Além de Professor da UFMT, é Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. Como escritor, transita entre a Filosofia, o Direito e a Literatura.

UM CONTO DE RÉU

—  Me conta? Um segredo...


Há fomes demasiadas neste mundo.


Disse a mim que não gostava de comer. Espantei-me, naturalmente. Eu..., que talvez nem goste tanto assim, que no entretanto como e acho bom, não pensei que comida pudesse desgostar alguém. Minha avó também não gosta de comer. Pois que o gosto enjoa, então dorme. Dorme porque perdeu o gosto. Não necessariamente porque desgosta. O desgosto sói quando o gosto dói. A moleca não come porque gosta. Não há gosto para tudo. Os meses são de agosto. Coisas augustas porém apetecem o humano. Não basta ser bom. Há de ser gostoso. Ah! Como ela gosta... Carece. O gosto tem um quê de gozo. 


— Me conta? Um segredo...


Um por vez. É assim que me solicita. Sem esbanjamento. O alimento é farto. Mas não o devora. Quantos segredos terei reservado? Coisas azuladas não (se) estocam. E por isso nem tudo é dinheiro. Que cúmulo é a acumulação. Segredos pululam... Hoje mesmo contam em mim um não sei quantos. Amanhã perderei a conta. Estou empanturrado. Não me aguento em segredos. Se-gre-da-do. Conquanto eu os precise contar, é ela quem me pede contas. Merecendo um banquete, seu desejo é todavia frugal. Com tanto que tenho a contar, roga somente por um conto de réu.


— Me conta? Um segredo...


Um segredo sobre mim. Um segredo sobre nós. Um segredo. Quase sempre sem especificação. Ela só precisa deste carburante vital. E se o conto é porque eu já perdi a conta de mim mesmo. Enquanto me segredo, perco o meu próprio segredo que agora não existe mais, ou que só existia na intenção de um nós. Enquanto o meu segredo deixa de existir na intimidade do meu eu, o meu segredo abandona o seu caráter secreto e adquire uma dimensão de fé. Torna-se confidência. O meu segredo é seu. Sou seu. Réu. Confesso. Estou acreditado. Há-Deus.


— Me conta? Um segredo... Para eu dormir.


Como deglutir o pão pode ser doído, este alento é necessário. O chegar da noite traz consigo o seu pedido. Um apenas. Segredo. Refeição diária. Jejuada, a fome, que não se mata, retorna. Depois desanda a dormir. Dorme? Aquando dorme? Dorme... De barriga cheia, a moleca dorme em paz. Quero assoprar o seu ventre e sentir as nossas cócegas.

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