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Eliana Bueno-Ribeiro
É professora de literatura  brasileira e literatura comparada, tradutora e ensaísta. Publicou uma tradução dos Contos de Perrault (São Paulo, Paulinas, 2016) e tem no prelo um ensaio sobre Lygia Fagundes Telles (São Paulo, Patuá). Pesquisadora-associada ao Centro de Estudos Afranio Coutinho da Faculdade de Letras da UFRJ e editora de  Passages de Paris (www.apebfr.org/passagesdeparis/),  prepara um livro sobre Nélida Piñon.

CONTINHO TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL
(à moda de Bandeira)

Eles se conheciam há oito meses, oito semanas ou oito dias? Pelo Tinder ou pelo Facebook ? Conversas intermináveis, quantas horas? De dia não, a gente tem de trabalhar madrugada adentro. Sem câmera, com câmera? «Strangers in the night»,  ele cantou baixinho logo no primeiro dia em que se falaram por voz. E ela se surpreendeu continuando uma canção que pensava  esquecida: «Something in my heart told me I must have you». Mas ele pode ser seu filho! lembrou a amiga invejosa. – Mas não é! ela cortou curto. -Mas enfim, tome cuidado! -Mas se vou estar em casa, ok ? Mil porteiros e vizinhos!  E ele é uma gracinha! Tão lindo!


Ai, meu deus, que roupa eu visto? Alguma coisa bem simples, estou em casa.  Nada de maquiagem, só  rímel e um brilho. E o brinco de brilhante, épuré e racé. Queijos e vinhos numa mesa caprichada, de comer com os olhos. O porteiro interfona e pergunta se ela está esperando Felipe. – Como assim, Felipe? Mas os porteiros são todos iguais,  trocam mesmo todos os nomes, claro que ela está esperando por ele, pode subir !


Ele trouxe doces  - Pra ser melhor, você vai ver, experimenta, vai ! Mas pára com isso, mude alguma coisa em sua vida! Ela não quer, não está habituada e acha que não precisa, ele é tão lindo! Não quer bancar a tia chata, mas para ela basta o vinho. Ele é lindo, eles se divertem e se cansam, ele se cansa. E quer que ela deite a cabeça em seu ombro para  dormirem abraçadinhos. Afinal, ele não tem o direito de dormir? Ele está cansado, ela não está vendo?


Ela está vendo e começa a rir. Ela bebeu um copo a mais e não percebe que ele não está achando graça nenhuma. E não vê se preparar o primeiro golpe. E continua a rir e recebe o segundo e o terceiro, que a  joga, ainda surpresa, no chão. E  quando começam os insultos ela ri mais alto ainda até começar a gritar por socorro, se lembrando dos doces. Se lembrando de que é insuportável o riso das mulheres.


Foi assim, eu estava lá, nós todas estávamos lá.

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