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Eduardo Mahon
45, é carioca da gema, advogado e escritor. Mora em Cuiabá com a esposa Clarisse Mahon, onde passa sufoco com seus trigêmeos: José Geraldo, João Gabriel e Eduardo Jorge. Autor de livros de poemas, contos e romances, publica pela Editora Carlini e Caniato.

Estimado confrade,

 

Recebi teu livro e me encontro deveras emocionado. Que capa linda! Quanta riqueza no papel, a gramatura, a cor opaca e amarelecida. A fonte que escolheste para escrever não poderia ter sido mais feliz. E a lombada? A lombada destaca-se na biblioteca em meio ao ordinário das outras. Quero que me digas quem foi o artesão. Não me negues o nome! Teu livro chegou na terça-feira. Estranhei porque o correio só vem às quintas. Mas a exceção está plenamente justificada. Veio-me o carteiro, balofo de meia-idade. Troncho demais para entregas tão nobres. Trazia nas mãos um embrulho em papel pardo. Papel pardo, meu confrade? Que travesso tu és! Embrulhas a joia em papel de pão. Não dei fé. Larguei o embrulho na cozinha, pensando ser dessas encomendas ordinárias que as criadas fazem. Ao final do dia, porém, não se deram ao trabalho de abrir o pacote. Somente então, fui olhar o destinatário. Como me deixaste curioso, hein? Meu nome com a tua letra caligrafada. Onde fizeste o primário? Não me lembro. Responda assim que puder. Recordo apenas que um primo meu foi teu contemporâneo. Talvez no liceu ou nos irmãos maristas. Levei aquele misterioso embrulho à biblioteca. Saltou-me o teu livro como a pedra preciosa que pula da rocha, piscando para o garimpeiro. E o peso? Surpreendi-me mais uma vez. O livro é, além de bojudo, denso. O papel é substância enganadora. Uma vez acumulado, verga a mais resistente ripa. Como sabes, procuro alguém para dar conta do meu jacarandá fadigado. É o peso dos anos e dos livros. Centenas, milhares. A madeira acabou por ficar ressentida. As traves, tábuas, dobradiças, tudo reclama manutenção. Mas teu livro estará num lugar especial. Isso é certo. Em qual seção? Ainda não sei. Não é científico, mas também não é uma dessas histórias fantasiosas. Ah, meu amigo! Ando preocupado com a juventude com essa mania de ler bobagens. Minha filha mais moça anda às voltas com poemas. Já disse que proíbo. A culpa, claro, é da mãe. A mulher cede aos impulsos do coração. Já te contei que minha esposa quer ensinar piano ao mais velho? Piano! O que teremos no futuro? Gente feita de cristal? Ou maníacos de ouvido absoluto? Às vezes, perco as rédeas da minha casa. Quando nasceu essa menina, a madrinha arvorou-se a ensinar francês. Minha comadre tagarelava em francês com a criança no colo. Dizia que, desde miúdos, deveriam todos escutar uma segunda língua porque esta soaria tão natural quanto a nossa. É claro que garota aprendeu, tu sabes bem. Ela e a mãe foram testar a fluência no Velho Continente. E de lá trouxeram-me o resto da afetação. Lenços, louças, chapéus e sapatos. E agora, o piano? Basta de Chopin. Voltemos ao teu livro. Que primor, querido confrade! Percebi a rica a costura. Ao abrir, as páginas unidas pela fina tessitura carmim exalavam o cheiro do novo. Não sou contra o novo, deixo aqui bem claro. Teu livro, por exemplo, é uma dádiva. A contracapa, a mancha, o entrelinhamento, a numeração: um monumento, em resumo. Poderia ele ser um dos tijolos das pirâmides egípcias. É disso que o mundo precisa: solidez. Até as mais colossais obras da antiguidade foram erguidas tijolo a tijolo. Assim também se formam bibliotecas como a minha. Uma a uma, as obras alinham-se, apertam-se, atraem-se e, no fim, amalgamam-se. Ao competir por espaço, suprimem lacunas, vedam frestas, formam monólitos. Caro confrade, meu gabinete me exige demais. Despeço-me assim de chofre, renovando meus cumprimentos. Agradeço penhoradamente. Havia aqui um espaço a ser preenchido. O tampo da escrivaninha, velho e gasto, bambeava trôpego. Não havia com o que calçá-lo. Ou o livro era muito fino ou muito grosso. O teu, porém, é perfeito. Parabéns pela obra!

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