

Eduardo Mahon
Editor Geral
EDITORIAL
SINTAM-SE VELHOS
Me sinto passado
Porque, entre outras coisas,
Lembro das minhas aulas de datilografia
E, dos meus vizinhos do condomínio,
Sou o único que sabe quem foi Thales Pan Chacon
Me sinto passado
Porque, entre outras coisas,
Coloquei bombril na ponta da antena da tevê
E, dos meus colegas de natação,
Ninguém sabe quem foi Lídia Brondi
Me sinto passado
Porque, entre outras coisas,
Gastei a ponta dos dedos no discador do telefone
E, na minha loja maçônica,
Não tenho com quem rir das velhas piadas do Agildo Ribeiro
Eu conheço mistérios revelados
Que, com o tempo, voltaram a ser mistérios:
Quem matou Salomão Hayala?
Quem atirou em Odete Roitmann?
Quem era o lobisomem de Roque Santeiro?
Ninguém se lembra da Wilza Carla
Mas eu me lembro
Ninguém se lembra do Mário Gomes
Mas eu me lembro
Ninguém se lembra do Claudio Marzo
Mas eu me lembro
Acho mesmo um absurdo
Ninguém se lembrar do Clóvis Bornay
O passado me fez especialista em lembranças inúteis:
Os discursos de Odorico Paraguassú
Os salamaleques da Viúva Porcina
E até o corpão da Sônia Braga em Dancin’ Days
Não tenho vergonha em dizer que sou do tempo
Em que se fazia polichinelo na aula de calistenia
Tomava-se Emulsão de Scott contra fraqueza
E criava-se muque de tanto bater gemada
Nesse tempo, aprendia-se a escala musical no canto orfeônico
Para cantar Frère Jacques nas aulas de francês
Os garotos especializavam-se nas Leis de Newton
Com as machucaduras das sucessivas quedas do carrinho de rolimã
E as meninas ainda lutavam para fraudar a régua do bedel
Que media o palmo regulamentar de joelho onde a barra da saia deveria acabar
Me sinto passado porque não tem valor algum
A minha antiga perícia com as pipas
A exatidão matemática com os balões
O domínio da sutil técnica do bafo
Umedecendo-se a palma da mão para virar figurinhas
E a expertise de faturar as bolas de gude dos adversários inábeis
Hoje em dia, tenho medo de estragar aparelhos delicados
E aprendo com desconhecidos a me conectar com o mundo
Um mundo voyeur que vê o tempo passar e a vida morrer
No qual passarão os filhos e chegarão os netos
Que não se lembrarão de nada, nem de mim