Eduardo Mahon
43, é carioca da gema, advogado e escritor. Mora em Cuiabá com a esposa Clarisse Mahon, onde passa sufoco com seus trigêmeos: José Geraldo, João Gabriel e Eduardo Jorge. Autor de livros de poemas, contos e romances, publica pela Editora Carlini e Caniato.
VISÃO DE FUTURO
À Icleia Lima
O futuro não me chega nos sonhos
Nem nas previsões do tempo que a moça simpática
Exibe ao público dos telejornais
Nunca foi revelado nas cartas, nos búzios, nas runas
Não se encontra em distantes constelações
Nem está tatuado na palma da minha mão
O futuro não está na borra do café ou nos biscoitos da sorte
Não está em nenhum capítulo dos compêndios de estatística
Usados por jogadores que moram em cassinos clandestinos
E, se não é alcançado no céu escuro bordado de pontos de luz,
Também não é visto nas infinitesimais partículas cromossômicas
Desnudadas por qualquer voyeur que se diz cientista
O futuro não é nada do que eu quero
E é tudo aquilo o que não pode ser
Ele está no lombo do cavalo chucro que rejeita o cabresto
Mas também pode aparecer de manhã, no ovo choco que estraga o apetite
Ou ainda, por uma diabólica peraltice, o futuro banha-se no azedume
Do leite fresco que talhou na geladeira sem razão aparente
O futuro odeia sacerdotes, pitonisas e videntes de todos os gêneros
Foge das catequeses, dos rituais e da prescrição dos livros sagrados
Não está em nenhum vir-a-ser que enganou platões de muitas escolas
Porque, ao contrário do que toda gente acredita, o futuro sempre se atrasa
Ele passa o tempo a folhear revistas nos consultórios médicos
Ou, simplesmente, gasta a sola dos sapatos nos elevadores que vão a lugar algum
O futuro entranha-se debaixo das unhas do arqueólogo
Descoberto, por acaso, no passado e no esquecimento
Como o fêmur improvável de uma espécie ainda não conhecida