Eduardo Mahon
41, é carioca da gema, advogado e escritor. Mora em Cuiabá com a esposa Clarisse Mahon, onde passa sufoco com seus trigêmeos: José Geraldo, João Gabriel e Eduardo Jorge. Autor de livros de poemas, contos e romances, publica pela Editora Carlini e Caniato.
ANTES SÓ DO QUE MAL ACOMPANHADO
Quando se está só, costuma-se não demorar num restaurante. Comigo, é justo o contrário. Qual a pressa? Sou daqueles que fica para o cafezinho. Com esse ritmo, sentei e pedi a carta de vinho. Só queria uma taça, mas tinha tempo para espiar a adega do restaurante. Ao lado, duas mulheres falavam sobre Carlos. Escolhi um vinho branco, com notas de maracujá. Parecia bom. A senhora disse que Carlos mudou-se para os Estados Unidos. Ele e a mulher. Cada um tem uma vida e não seria a mãe que iria atrapalhar. Tá certo. O vinho que chegou combinava com bacalhau. Pedi um croquete. Duas unidades. Antigamente, vinha mais. Agora, o fino é fazer só dois. Tudo bem. Enquanto não chegava o pedido, soube que Carlos tinha uma mulher que a senhora tratava como filha. Mas o relacionamento azedou com o tempo e elas se afastaram. Chegou o croquete. Muito bom. A fritura no azeite faz toda a diferença. Restaurante bom é assim: bacalhau é no azeite virgem. Nada daquelas crostas sebosas de gordura. O bolinho estava liso e sequinho. Veio um limão ao lado. Nesse meio tempo, Carlos começou a ter problemas no casamento. A velha previu desde sempre. Era óbvio. A mulher de Carlos deixou de tratá-la como mãe para tê-la como sogra. Que falta de caráter, vamos e venhamos. A senhora cutucou: casamento por interesse, sabe como é? O garçom me disse que a especialidade da casa é um risoto de cordeiro com limão. Eu gosto de cordeiro, mas nunca havia comido desfiado no risoto. Como sempre, aceitei a sugestão. Não vai demorar, disse solícito o sujeito de gravata borboleta. De fato, não demorou. Mas deu tempo para saber que Carlos se separou da megera. Aconteceu o pior, porém. A desgraçada contratou um detetive particular. Nem acreditei. Mas era verdade. Quem contrata detetive hoje em dia? Nem sei onde achar um, se precisasse. O risoto chegou com uma cara boa. Realmente era saboroso. O toque de limão conferiu uma acidez interessante. Pedi uma segunda taça de vinho. Mudei para o tinto. Carlos também mudou. Foi para Los Angeles, fugido da mulher. Ocorre que ela descobriu onde o ex-marido escondia o patrimônio não declarado à Receita. Mas que filha da puta!, pensei. Quando terminei, chamei o garçom contrariado. Malbec? Malbec não, meu senhor. Eu não estava gostando daquilo. Sobremesa, por favor. O homem de gravata borboleta sugeriu um bolinho de avelã. Topei. Havia outras coisas, mas não queria perder o fio da meada. Enquanto isso, Carlos foi obrigado a dividir o patrimônio. Bem que a velha falou. Mãe é assim: avisa, repete, alerta. É batata! Sexto sentido de mãe não erra nunca. Carlos, porém, não quis ouvir. Deu uma de gostoso, independente. Foi morar longe, o papudo. Olha aí a esparrela. Bem feito!, falei. O garçom não entendeu direito. Retifiquei: muito bom! Agora sim, ele sorriu. Pedi o café. Geralmente, o café vem acompanhado de um pétit four. Não deu outra: um docinho de coco equilibrava-se na borda do pires. As madames pagaram a conta e foram embora. Coitado de Carlos, fiquei pensando. Enquanto eu não acabava o café, sentaram-se outras duas mulheres. Bem mais jovens, dessa vez. A menina com o braço esquerdo tatuado reclamava de Gabriel. Amigos em casa, sem convite, vida desregrada. Gente sem o mínimo simancol de cara cheia todo final de semana, um inferno. Afinal de contas, um casal precisa de espaço, de privacidade, ainda mais no começo do casamento. Concordei integralmente e, por isso, pedi ao garçom outro café. Com licor, dessa vez. Sem pressa. Eu tinha tempo.