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Edson Flávio 
É cacerense, doutor em Estudos Literários pela Universidade do Estado de Mato Grosso (PPGEL/UNEMAT) e pesquisador na área de Literatura. É autor de Aldrava (2020) e escreve desde quando descobriu seu amor pela poesia.

DISCURSO INDIRETO LIVRE

Raul não gostava de aniversários. Dificilmente era surpreendido pelos amigos ou familiares. Não gosto e pronto. Não havia nada que o convencesse a ter apreço por estas festas. Mas nem sempre foi assim. 
O cheiro de bolo era sentido desde a calçada. Hoje tem bolo da Dona Cida. Será que o Raulzinho chama a gente? Cara, o pai dele vai colocar aquelas músicas de velho, certeza que vai. Os moleques faziam suas conjecturas sobre o tema, as guloseimas e a trilha sonora da festa. Raul ria-se de feliz. Há uma felicidade simples na infância que, com o tempo, troca de nome. 
A casa enchia-se rapidamente. Alguém quer suco de acerola? Dona Cida impaciente e afoita com os parentes que não haviam chego e com as coxinhas que pareciam insuficientes aos convivas. Tem empada? Parecia que nunca se agrada todo mundo. Quem agrada, afinal?
O menino divertia-se do começo ao fim. Era isso que importava. Está gostando filho? O pai robusto e orgulhoso exibia o filho como um troféu. Vai ser músico como o grande Raul Seixas. Nesse tempo, todos já estavam saturados de ouvir as músicas do ídolo do Sr. Altemar. Não há outro nesse mundo como Rauzito. Escolhia outro disco para pôr na vitrola. 
O pai havia morrido quando ele era ainda adolescente. Você precisa aprender a tocar Raul. Ouvia como um ressoar todas as vezes que olhava para o violão encostado atrás do guarda-roupas. O ritual de ouvir músicas no toca-discos repetia-se todos os domingos antes do almoço. Enquanto a vizinhança escutava “Eu nasci há dez mil anos atrás”, o pai sentado e absorto, olhava para o horizonte interrompido pelo no muro de heras mal podadas. 
Você tem esse nome por conta desse cantor. Segurava a capa do disco azul com o rosto do cantor estampado numa das mãos enquanto afagava a cabeça do herdeiro com a outra. Raul passou a evitar o violão e os discos após a morte do pai. Silenciou-se por completo. A vitrola emudecida tornou-se uma espécie de aparador velho cheio de bibelôs que ele trazia das viagens que fazia. Conhecia inúmeros lugares, mas evitava viajar para dentro de si. Há memórias que quando desenterradas podem tornar-se grandes demônios do presente. Raul sabia disso.
Não gosto de festa de aniversário. 
Todos os anos, enquanto os parabéns são entoados, o rapaz repete isso como um mantra interior. Em meio aos abraços, afagos, comidas e sorrisos, o medo que ronda Raul, como mosca na sopa, não é o medo da chuva, mas o de tentar outra vez.

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