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Eduardo Mahon

Editor Geral

EDITORIAL

É possível cumprir o sonho do Paul Klee e esquecer todo o passado para produzir algo novo? Ou seremos condenados à eterna influência proposta por Harold Bloom? Nesta edição da Revista Pixé fazemos uma dupla provocação: de um lado, temos ilustrações de Paulo Della Nina evocando a radical independência estética onde as forma, cores e texturas são a própria razão da obra de arte; de outro, os novos escritores que compõe o coletivo virtual Ruído Manifesto. O que se manifesta, afinal? O ruído? A ruína? Ou será o próprio manifesto? Tudo indica que os elementos que compõem essa edição nos inclinam a concordar com Bloom: o pulso da modernidade é evidente. Contudo, não menos verdadeira é outra constatação: esse pulsar tem um ritmo diferente, muito provavelmente autocrítico. Ficou difícil? Vamos explicar tim-tim por tim-tim. 


Era uma vez Mondrian, contaminado com o vírus da modernidade. Ele espirrou sobre Léger, Delaunay, Picasso, Weissmann e tantos outros. A doença agudizou com a Bauhaus, escola onde se ensinava o que o futuro deveria ser. Como não podia deixar de ser, o vírus espalhou-se para todo o mundo. No Brasil, o francês Le Corbusier espirrou sobre Lúcio Costa, Oscar Niemayer, Burle Marx que contaminaram artistas como Volpi, Lygia Clark, Athos Bulcão, Aluísio Carvão, Hélio Oiticica, Fernando Durão, Luiz Saciloto, Wlademir Dias-Pino. Todos esses modificaram o bacilo original de Malevitch que propunha uma forma científica de tratar a arte, expressada na mais abstrata geometria. 


O sonho da ordem, do progresso, do futuro e da perfeição emprenhou sucessivas gerações de modernistas. Della Nina está irremediavelmente contaminado. Contudo, de Mondrian para cá, o vírus sofreu mutações genéticas para permitir uma espécie de autocrítica que fagocita o passado. Os resíduos da digestão moderna são a matéria prima de outros modernismos. No mais das vezes, o contemporâneo desafia o passado questionando a exatidão. Até mesmo no cânone geométrico. Ao confrontar o ideário da perfeição, os artistas contemporâneos reivindicam a estratégia cartesiana para zombar da proporção e da simetria. O que seria lógico torna-se absurdo, o que seria autoexplicável torna-se um enigma.


Nesses resíduos está Paulo Della Nina e o próprio Ruído Manifesto. É preciso cuidado para não tratar os ecos do passado como mimetismo. A reflexão sobre a técnica precedente é mais um exercício paródico do que propriamente uma cópia. É na ironia que se opera a desconstrução e a reconstrução da estética. Pode ser que a afronta ao passado não seja uma pauta central dessas novas expressões, mas a luta pela identidade própria sempre será o esforço do artista vivo. Se Della Nina distorce a forma, rasgando a exatidão linear, contorcendo a linha, espelhando a forma, os escritores provocam um ruído de estilhaço que se manifesta virtualmente. 


Não é apenas um pastiche ou uma releitura qualquer, mas um deliberado canteiro de obras aberto no seio das obras prontas. O Ruído Manifesto cumpre a longa tradição de novidades que precisam ser alimentadas diariamente. É que a gula da modernidade nunca se sacia. O que fazemos nós, da Revista Pixé? Pedimos a eles que rumem em sentido oposto do que estavam acostumados para constituir uma antologia. Qualquer seleção pressupõe a evocação do passado sob um ideal presente. Opera-se o julgamento diante do espelho: quais os textos que melhor expressam o coletivo virtual? O olhar retrospectivo é um sério desafio para a ânsia da inovação. Esperamos que essa edição especial os faça refletir sobre o conteúdo do qual são portadores, por meio da consciência crítica da responsabilidade de reunir, cotejar e publicar literatura.

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