Eduardo Mahon
Editor Geral
EDITORIAL
Oh, tempos! Oh, costumes!”. Não há nada de novo no corpo, no desejo e, claro, na literatura erótica. É uma expressão humana como qualquer outra. Há textos bons e textos ruins. O moralismo que se escandaliza com desejos reprimidos e recalcados também é velhíssimo. Cícero bradava contra o contemporâneo. Puxou uma fila enorme de moralistas sem o mesmo talento retórico. De qualquer forma, o sexo continua sendo um tabu, se for tratado de forma explícita. Sobretudo o ato sexual que não se conformar aos modelos convencionados. Trata-se, antes de tudo, de uma questão estética.
É claro que, por trás da estética artística, há repuxando tendências fortes correntes de poder. Não há consensos espontâneos. Quem cai nesse papo é, no mínimo, ingênuo. O padrão social aceito como normal foi, pela força e pela arte, normalizado. O dorso da mulher, a barba do homem, o cabelo da criança, o cenário campestre, a mesa posta, os bustos dos reis e diademas das rainhas, tudo isso é cenário construído. Esta edição especial da Revista Pixé, cuidadosamente organizada por Samuel Lima, oferece aos leitores a oportunidade de entender que a expressão literária sobre o sexo também é uma ficção que sofre mudanças de acordo com as relações sociais de cada sociedade.
Ética e estética. Esse é um tema muito caro na discussão contemporânea, sempre abordado nos nossos editoriais. Temos pontificado que essa relação é das mais delicadas. O texto submisso às teleologias moralizadoras é, em geral, medíocre. O contrário também se dá. A arte alheia às pautas do mundo contemporâneo é manual de etiqueta para o chá das cinco. Não, a arte não tem carta branca para transitar pelo mundo livre de julgamentos. A arte não é inimputável. Precisamos nos manifestar e dizer claramente como nos posicionamos frente aos desafios do nosso tempo. No futuro próximo, a arte (e os artistas) será condenada pela omissão ou comemorada pelos compromissos que fez. Quais os nossos? A liberdade e a responsabilidade.
Por que muitas pessoas vão se incomodar com esta edição especial da Pixé? Dirão que queremos inverter o que é natural. Dirão que pretendemos tirar as coisas do lugar. Dirão, ainda, que celebramos exceções, minorias ou até mesmo anomalias. Pois bem. O que está acontecendo hoje não é uma inversão, mas um reposicionamento ético. Pode incomodar e soar agressivo, mas não é. O que nos parece mais violento e menos justo é saber que nossos “costumes”, nossa “educação”, nosso “mundo”, tudo isso formava um mundo profundamente seletivo e excludente. Ninguém está descobrindo a roda! O povo todo sabe que nosso percurso histórico foi forjado por exclusões, apagamentos, silenciamentos. São milhares que não sobreviveram às pedradas da religião, do moralismo e de conceitos pseudocientíficos que antagonizam normalidade e anormalidade, superioridade e inferioridade, pureza e contaminação.
No curso do processo de reposicionamento, haverá patrulhamentos tolos, péssimas interpretações e cancelamentos injustos. Dificilmente poderemos evitar os radicalismos e as desinteligências. Os intelectuais e as publicações hão de ajudar na travessia para que, na virada do barco, não sejam todos atirados ao mar. Haverá espaço para a tradicional família papai-e-mamãe? Sim, é preciso garanti-la. Mas também haverá espaço para a família mamãe-e-mamãe ou papai-e-papai. Deve haver espaço para tudo e para todos. E, se não houver, há de ser criado. A existência de alternativas não deve excluir, anular, cancelar o outro. Essa é uma nova ética, a ética da convivência, da inclusão, do compartilhamento. Repudiamos o autoritarismo. Em geral, ele parte de uma suposta maioria. Mas também pode surgir da minoria. Essa contemporânea ética da convivência dos diferentes vai dar a tônica do século XXI. Os tremores resultantes da fricção vão depender da maturidade dos personagens. A mudança será suave ou brusca, a depender da nossa própria capacidade de entender o outro. Talvez dependa também da capacidade de entender a si próprio.