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Eduardo Mahon

Editor Geral

EDITORIAL

Um texto é uma coleção de outros textos. Não há originalidade, considerando-se o termo em sentido estrito. Por incrível que pareça, quanto menos original, mais amplo e atemporal será o texto. Como assim? Este editorial é uma ode à mesmice? Não. Muito ao contrário. Ao destacar as colunas de Anna Maria Ribeiro Costa, celebramos imagens humanas que nos oferecem matéria-prima para o futuro. Arte é isso: o eterno contar e recontar, a constante visão e revisão. Em resumo – o impulso artístico reage à composição ou à desagregação que o encontro de várias tribos promove. No grande cenário cultural, ao inserirmos um pingo de cor diferente, temos um quadro completamente novo. Ser original é, portanto, saber recriar.
Nada de novo sob o Sol, ora, ora... Depende de onde se enxergue a luz. O Sol pode ser apenas mais um sol. Sob essa perspectiva, há muitos mundos para observar através de milhares de lunetas. Em termos astrofísicos, nossa estrela é média, tímida, prosaica, mas se vier puxada por um deus que comanda uma carruagem em chamas, transforma-se logo num símbolo superlativo. Mas o contrário pode se dar: o Sol pode nascer do interior de um coco maduro que cai do alto de uma copa e se espatifa no chão sombrio. Daí tudo muda, embora seja o mesmo velho sol. O que chamamos de mitos são narrativas que formam nosso imaginário, nossa identidade, além de dimensionar a realidade e condicionar o olhar sobre tudo em volta. 
O jogo mútuo de canibalização não é uma invenção modernista. A antropofagia é tão antiga quanto o próprio ser humano. Quanta presunção há nos velhos modernismos! Oh, contemporâneos, não sejam pedantes! Antes de descobrir a roda, observem qualquer encontro de etnias: a saudação, a troca de presentes, o siso, o riso, o toque, os ciúmes e as admirações. Finalmente, após o término do encontro, ninguém é mais o mesmo: o visitante sai transformado e deixa uma comunidade igualmente transformada. A conclusão a que se chega é que o purismo é tão ficcional quanto a miscigenação. Tais percepções só são possíveis ao promover um redobrado esforço de perspectiva, embora a moda seja falar em diversidade. Diversos somos todos, são as tribos das quais saímos e nas quais entramos e permanecemos. 
Ainda assim, essa perspectiva nunca deixa de ser uma mera perspectiva. A relativização que pariu o lugar de fala é, também, tão idosa quanto as pinturas rupestres nas paredes das cavernas – enormes caçadores cercando elefantes diminutos. Cada qual tenta puxar a sardinha para sua brasa, o que nada mais é do que ser humano. Prova cabal do efeito da necessária perspectiva é o Kuarup, aqui retratado nas lentes de Ernane Jr. Não há “índio”, não há “cultura indígena”, não há “tribo”. Nada do que pensemos no singular existe para expressar coletivos. Essa é uma leitura exógena que se torna confortável e, com o tempo, preguiçosa. Embora seja produto de muitos, não há quem represente além de si. Representatividade é um discurso com ânsia de poder.
Qualquer identidade é fruto de um conjunto de narrativas e imagens herdadas que foram resultado de ficção. Não há identidade imanente, inerente, nativa; o que existe é construção. As tribos que se constituem atualmente, sobretudo na selva urbana, são fantasias ainda mais elaboradas. Dá-se um pacto de convívio, fuma-se o cachimbo da paz. Códigos são informados, cantos são entoados. A indumentária, pintura e adereços, convertem e acolhem. O pajé diz o que é certo e o que é errado. Uma vez elaborada essa identidade artificial, os guerreiros preparam-se para defendê-la com zarabatanas argumentativas. O ser humano é, de fato, uma minúscula galáxia. Genial ao se reinventar e patético quando se julga original.

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