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Eduardo Mahon

Editor Geral

EDITORIAL

Pixé de novo! Não é nenhuma invenção esta revista literária, mais uma de centenas que o Brasil viu nascer e morrer. Costumam trombetear manifestos, reivindicando inovação. Afinal de contas, bom cabrito é o que mais berra, não é mesmo? Na Pixé, contudo, a gente não quer gritar. Pensamos que o sussurro funciona muito mais. Talvez seja essa a diferença: a regularidade e, modéstia à parte, a consistência. Autopropaganda? Claro! Por que não? Afinal de contas, faça chuva ou faça sol, parimos uma edição. É dureza reunir todos os meses mais de três dezenas de escritores e um grande artista para encantar os leitores. 


O poeta modernista João Antonio Neto lançou recentemente um dicionário amoroso de palavras, ressignificando surrados verbetes. Daquele cipoal semântico buscamos o que um homem de 100 anos de idade entende por novidade. “Caduco reintroduzido” – eis a definição. Estará errado? É claro que não. No afã de vanguarda, gerações de escritores abjuraram estilos, cuspiram nas cruzes da estética, recusaram influências literárias. Em resumo: negaram o passado três vezes antes de o galo cantar. Mais velhos, porém, esses mesmos iconoclastas desconversam e dizem que a paranoia da juventude foi a responsável pela pretensão de estar à frente do próprio tempo. Para quem viu muita coisa como é o caso de João Antonio Neto, a novidade não passa de um caduco redivivo.


O nosso escritor homenageado com esta edição foi moderno sem ser modernista. Em meio a um grosso caldo parnasiano, ousou o verso livre. Hoje parece pouco, mas não era fácil divergir dos emplumados rouxinóis da época. Nas décadas de 30 e 40, a nova poesia que despontava sem a camisa de força dos versos alexandrinos era um gesto intelectual de rompimento. No fundo, os escritores acomodados com a tradição acreditavam que a liberdade baudelairiana era uma febre passageira, coisa de bárbaros. O poeta modernista era um viking literário: impetuoso, aventureiro e casca grossa. Mas seria o modernista realmente casca grossa?


José de Mesquita, do alto do olimpo acadêmico, torcia o nariz para o modernismo e, claro, para a moçada do verso livre: “De vez em quando, um grupo de ‘novos’, com tendências iconoclastas, surge de tacape e bodoque, procurando revolucionar os moldes e formas de expressão, mata o soneto pela centésima vez e tenta liquidar os que não lhes acompanham os ardores e verduras da mocidade...”. Felizmente, João Antonio Neto e outros tantos trogloditas da poesia derrubaram o estilo grandiloquente dos Golias empoados. Ninguém pense, contudo, que o nosso centenário homenageado tenha precisado de tacape e bodoque. Preferiu o caminho sereno da discreta divergência e, como já dissemos, foi moderno sem ser modernista. Trouxe a novidade sem ser novidadeiro. Contrariou sem romper.


Além do mais, João Antonio Neto fundou e contribuiu com várias publicações modernistas, em meio à tradição passadista da literatura encomiástica, da crônica memorialista, do academicismo redundante. Foi ele quem primeiro desencavou os méritos do inquieto Lobivar Matos, corajoso poeta que denunciava a preguiça intelectual dos “sapos da academia”, além de registrar a trajetória dos jovens Gervásio Leite, Rubens de Mendonça e JB Martins de Melo, unidos em prol da Revista Pindorama em 1939. Lançou a Ganga em 1951 e atravessou o tempo inspirando os irreverentes jovens do Caximir com poemas impressos no Saco de Gatos, toalha poética que alegrava as mesas dos botecos do “Baixo Coxipó”.


Por tudo isso, dedicamos esta edição integralmente ao sempre jovial João Antonio Neto, o homem que não romantiza o passado, não se desencanta com o presente e não se ilude com o futuro. São raras as ocasiões nas quais encontramos escritores que escapam às armadilhas do idealismo. Enquanto muita gente bate a cabeça contra ou a favor do progresso, João Antonio Neto ri do tempo para vencê-lo.

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