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Eduardo Mahon

Editor Geral

EDITORIAL

Um fantasma ronda a literatura. Como qualquer outro, o fantasma é passado e não existe. Ainda assim, ocupa um espaço enorme no imaginário literário, assombrando principalmente os críticos. O fantasma do engajamento político é, entre tantos outros rótulos, uma redução empobrecedora na compreensão da arte em geral e da literatura, em particular. Julga-se a obra pela biografia do autor, subordinando o livro à temática política do momento. Há séculos, a arte libertou-se da funcionalidade religiosa, mas é constantemente assediada para subordiná-la à política e a um rol de temas prosaicos e socialmente comprometidos. Por isso, a liberdade da arte está ameaçada. Infelizmente, há estudiosos que insistem em encontrar uma “serventia” para a literatura. Surgem os guetos críticos contemporâneos: negros, gays, mulheres, pobres – pedágios temáticos que se impõe para o reconhecimento.

 

O autor não é engajado? Não luta contra a desigualdade social? Não se manifesta politicamente? Então, não é um bom escritor. Esse tipo pueril de crítica já fustigou Paul Klee e o grupo Kobra, fez vítimas nas diversas gerações de escritores, incluindo o olhar desconfiado sobre a obra de Tarsila do Amaral. Muitos escritores sofrem com esse tipo de patrulha: de Monteiro Lobato a Manoel de Barros, são criticados pelo que “deveriam ter escrito” e pela forma de escrever ou pelo que efetivamente escreveram. O artista visual desta edição da Revista Pixé – Victor Arruda – é um bom exemplo do ecletismo libertador. Muitas outras vozes se confundem na singularidade de Arruda – Picasso, Schiller, Duf, Saul, Apell, além do grafite de Basquiat, hoje em dia reconhecido como sofisticada expressão artística.


Reconhecer essa influência não faz de Victor Arruda um artista menor. Ao contrário: ao dominar tantas e tão variadas referências, Arruda domina a técnica, mas pretende fugir dela. Se atinge ou não um objetivo político em sua arte, isso pouco importa. O artista, ao compreender a diferença entre o moderno e o contemporâneo, propõe uma arte sem a estruturação científica tradicional, uma expressão que escape ao racionalismo moderno. A emoção é a tônica, um pecado mortal para os críticos engajados que pretendem uma arte igualmente engajada. Mesmo sabendo que a arte pode (e deve) ser abordada pela psicanálise, sociologia, antropologia e outros campos do conhecimento humano, não será a lógica que pautará o intuitivo. Essa escolha pelo rompimento define a arte, mas não a livra dos velhos espíritos historicistas que estão incorporados em alguns intelectuais da atualidade.


O fantasma ideológico sobrevive do preconceito reverso. Os estudiosos abrem mão do julgamento estético para dar lugar à leniência crítica em razão da temática. O texto não é bom ou mau. A obra não é consistente ou fraca. Desparecem escalas e comparações. A literatura resumiu-se apenas em ser útil ou inútil a uma determinada abordagem. Se o autor trata dos dramas relacionados ao determinado nicho de interesse, será ele festejado como socialmente compromissado, ao largo de qualquer apreciação estética. O contrário também se dá: se o escritor não abordar problemas afetos aos guetos temáticos, será expurgado como politicamente alienado. Portanto, a arte resumiu-se a ser valorada do ponto de vista político, como um reflexo da sociedade, com a finalidade de expor e discutir questões sociais para transformá-las. 


O que passou a ser valorizado não é a estratégia autoral em tecer uma narrativa, evocando imagens fortes, dialogando com a tradição, propondo novas formas estéticas. Literatura passou a ser um grito de guerra, uma palavra de ordem, um instrumento revolucionário ou semirreligioso de salvação. Quanto equívoco! Aqui na Pixé todos falam e falam de tudo. A revista é legada a olhos sem antolhos, na esperança de que não se resuma a um mero panfleto. Arte não é um ofício. Arte é artifício!

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