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Eduardo Mahon

Editor Geral

EDITORIAL

É proibido proibir – eis a regra da contracultura que, de alguma forma, tornou-se cultura. A literatura é um eterno bolero entre o ser e o dever-ser. No salão, uns escritores dançam mais pra lá e outros, mais pra cá. Alguns acreditam que a literatura deva refletir a realidade e outros que a literatura deva transformá-la. Alguém está certo? Claro, todos estão. Os críticos acertam na mesma medida em que erram. A literatura não deve nada a ninguém. Não há pauta para a arte, nem muito menos cartilha a ser obedecida. O que há são escolhas que não são necessariamente boas ou más. São apenas opções que se provarão mais ou menos longevas, influentes e consistentes. Importante dizer claramente qual a tendência preferida pela Revista Pixé e deixar que o tempo seja nosso juiz e verdugo.


A escolha editorial desta e das outras edições é privilegiar a literatura e a arte. Qual literatura? A literatura, ora! Importa mais outras questões: quais autores?, qual estética?, qual temática? Isso tudo diz respeito à nossa identidade ou, pelo menos, à identidade que queremos ter. Nessa edição, convidamos Fábio Roberto Ferreira Barreto e Márcio Vidal para fazer a curadoria dos textos. No nosso breve encontro na USP, pedimos aos dois estudiosos – queremos publicar escritores da periferia. Mas que periferia? – perguntariam os leitores. De todas as periferias – respondemos de pronto. Periferia é o lugar onde nos colocam e onde nos colocamos. Periferia não é o oposto do centro, os polos apenas estão longe. Juntos – margem e centro – compõem o todo. Não raras as vezes em que alternam-se de posição no universo artístico. 


Há periferias em pleno centro. Na melhor classe da escola mais prestigiada, não existem os que preferem sentar no fundo da sala? Há periferias na maior cidade do país, no maior país do mundo e, talvez, seja a Terra outra uma periferia no universo. A periferia é contexto, mas é também opção. A pobreza sempre será periférica, embora majoritária no Brasil. Isso é estrutural, diz respeito ao acesso das pessoas aos meios de produção e de informação. Entretanto, a periferia também é uma postura conceitual, uma opção consciente: ser maldito entre os benditos, ser minoria frente à maioria, ser divergente em meio aos consensos. Pensar de forma inovadora constitui as periferias eletivas, enquanto os cânones estão inevitavelmente no centro.


Algo contra os cânones? De forma alguma. São eles quem inspiram o desafio, inclusive. Até mesmo eles – os autores canonizados – quase sempre já foram periferia em algum momento da vida. Não foi Cervantes a debochar da literatura de cavalaria? Não foi Shakespeare a satirizar a sociedade elizabetana? Não foi Joyce a confrontar a literatura de salão? Não foi Machado de Assis a caricaturar da burguesia tupiniquim? A divergência, a ruptura, o desafio e a ironia são sempre manifestações periféricas. É preciso haver quem dê voz ao novo e, para isso, colocamos a Revista Literária Pixé à disposição de autores nunca publicados ou de escritores experientes que estão muito longe dos lobbys editoriais. 


Formaremos um novo cânone? Não é esse o nosso objetivo, nem almejamos nós substituir o centro. Entendemos que nesse nosso mundo tão diverso é preciso haver vários centros e várias periferias que dialoguem entre si. Não temos bola de cristal para saber o que o futuro nos reserva. Por enquanto, queremos apenas existir e defender a nossa forma de ser e de escrever. Preservamos a nossa diversidade sem que, para isso, outras espécimes estejam ameaçadas. É bem verdade que, no grande bolero da arte, todos nós dançamos de um jeito. Os ritmos mudam com o tempo, as modas se sucedem, mas a verdade é uma só: Quer dançar? Não acredite em nenhuma academia. Elas só ensinam ritmos já conhecidos. Saiba que nem sempre são dois pra lá, dois pra cá.

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