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Eduardo Mahon

Editor Geral

EDITORIAL

Agostinho Carrara, personagem da extinta série “A Grande Família”, é a metáfora da cafonice brasileira: afável, carinhoso, conciliador, é o picareta que sonha com a boa vida. A malemolência suburbana compõem esse saboroso personagem que nos comove na medida em que nos coloca diante do espelho. Nosso país onde tudo parece estar em construção e já é ruína, como canta Caetano, é também o país em que Mário de Andrade sentia-se um tupi tangendo um alaúde. Dessa mistura de passado e futuro, de clássico e barroco, de colonizador e colonizado, a despeito da terrível carga de preconceitos que foi legada, pode surgir algo inteiramente novo ou simplesmente nos condenar à bizarrice. O Brasil será o novo modelo civilizatório como pensavam Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro ou não passará de jeca-tatu de Monteiro Lobato?


Já foi moda a mistura de hábitos ingleses e franceses. Por incrível que pareça, nestes tristes trópicos, muita gente já tomou o chá das cinco de chapéu e sombrinha. Mulheres de luva e homens de tweed e chapéu de feltro. Bonjour! – cumprimentava quem tinha o mínimo savoir-faire. A afetação francesa atingiu uma boa parte das cidades, num pastiche de várias épocas e tendências. Se, no Rio de Janeiro, Pereira Passos imitava o Barão de Hassemer, na provinciana Cuiabá vivia-se uma belle époque particular com a ornamentação neoclássica de fontes, praças e novos prédios na virada do século XX. Pianos, violinos, porcelana inglesa, renda richelieu, ternos de linho, tudo isso compunha a identidade da nossa high society. 


Na mesma época em que o Brasil construía miniaturas parisienses, na Praça Onze, o quintal de Tia Ciata pegava fogo. Hilária Batista de Almeida foi uma das muitas baianas que fugiram da terra natal por perseguição contra o candomblé. No Rio, acobertava no terreiro o candomblé e as rodas de bamba. Os frequentadores Donga, Sinhô, Marinheiro, João da Baiana, Pixinguinha, Almirante, após o culto dos orixás, aproveitavam os instrumentos de percussão e acabaram criando um ritmo novo – o samba! Genuinamente brasileiro, com certidão de nascimento no 78-RPM “Pelo Telefone” de 1917. Nas primeiras décadas do século XX, houve intensa repressão ao novo ritmo, ao candomblé, todas as manifestações negras dos primeiros favelados nos morros cariocas. 


Em Cuiabá, mesmo no seio de uma sociedade profundamente híbrida, os ritmos populares, sobretudo os nascidos nas periferias da cidade ou aqueles oriundos da zona rural, não tinham espaço nos apertados salões da alta sociedade. O desenvolvimento urbano não incluía o rasqueado, a viola de cocho, o ganzá e o mocho. Era considerada “música do mato” como se falava até a década de 60 ou, talvez, uma excentricidade regionalista. Eventos oficiais eram animados pelo repertório praticado nos conservatórios: Bach, Mozart, Chopin, algumas árias de ópera e o canto orfeônico. Demorou quase 1 século para que o Muxirum, um movimento cultural nascido na última década do século XX, ousasse enfeitar de chita as mesas dos eventos animados ao som do bom e velho rasqueado, no interior dos tradicionais casarões cuiabanos.


Nós ainda somos índios tangendo um alaúde? O caldo cultural no qual estamos imersos ainda não engrossou o suficiente? Ainda seremos luso-americanos, brasilianos, brasilienses? Ou podemos nos chamar de brasileiros? Acaso não nos sentiremos todos “Augustinho Carrara”, deslocados num mundo de grifes? A turma da Revista Literária Pixé não vai responder. Seguirá o conselho de Leminski quando dizia: repara bem no que não digo. Não temos compromisso doutrinário. Essa publicação não é cartilha! Somos da turma de Chacrinha que proclamava, entre mandiocas e abacaxis – eu não vim pra explicar, eu vim pra confundir! O leitor mais atento saberá entender o nosso carnaval e nele sambar até o dia clarear.

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