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Eduardo Mahon

Editor Geral

EDITORIAL

Pixé na estrada! Mais um número da nossa híbrida revista de literatura e arte. Dessa vez, embarcamos na boleia de Jonas Barros. As imagens nos convidam à reflexão: estamos vivendo nas fronteiras. Tudo é uma grande fronteira que se fixa ou se dilui conforme o mapa que se utilize. Fronteira geográfica, fronteira nacional, fronteira agrícola, fronteira da civilidade. Não, minha gente! Convém não confundir com fronteiras da civilização. Ao contrário do que se costuma afirmar, não estamos na periferia, muito ao contrário. Falamos do centro, do centro geodésico da América do Sul, do enorme e ignorado Brasil. O nosso centro amazônico-pantaneiro é o centro do interesse do mundo todo, é o centro da biodiversidade, é o centro cultural de centenas de povos, é o centro global da produção de alimentos. 


Esse nosso “umbigo sul-americano” traz enormes desafios e o maior deles é equilibrar o interesse na preservação do ecossistema com o agronegócio. Essa ambivalência impacta, inclusive, a nossa escritura. Inicialmente, a literatura tratou a paisagem sob os auspícios do romantismo. Os bandeirantes, predadores de índios e farejadores de ouro, foram feitos heróis. Se, por um lado, as bandeiras redefiniram fronteiras nacionais e colonizaram os sertões brasileiros com a língua portuguesa e a cruz católica, estenderam para cá a lógica da subordinação pela qual o solo e os povos indígenas estariam à serviço de um “destino manifesto” luso-brasiliano. Os heróis do novo Éden serviram de modelo para, além de enriquecer as muitas metrópoles que nos exploraram e ainda exploram, fundar uma literatura encomiástica, um memorialismo ingênuo e uma pseudo-aristocracia provinciana.


Houve reação? Claro! Houve conflito? Evidente! Quem não reagiu e se escondeu foi a literatura. Como costuma acontecer, a arte estava vinculada aos donos do poder. Vozes isoladas gritaram. Entre elas, destacam-se Euclides da Cunha, Graciliano Ramos, José Américo de Almeida, Raquel de Queiroz, José Lins do Rêgo, Ricardo Guilherme Dicke e Lobivar de Mattos. Este último enfrentou tudo e todos nos dois livros que publicou – Sarobá e Areôtorare. A poesia de Lobivar tratou dos nossos sertões sem a costumeira grandiloquência, afastando a impregnada estética parnasiana. Além do mais, o cenário do poeta mato-grossense foi muito além de mimetizar o cânone que retratava a redundante riqueza mineral e exaltava a questionável bravura bandeirante. Lobivar de Matos deu voz aos negros, aos braçais, às lavadeiras, aos mendigos, aos bêbados e às prostitutas. 


Alguém lembrou de Lima Barreto? É pra lembrar mesmo! São dois autores solidários e corajosos. Algumas coisas precisam ser ditas e não esquecidas. Uma delas é o pacífico convívio dos modernistas com o arcaico nacional, a conveniente neutralidade social e o abstencionismo político. Afinal, o que não falta é conservadorismo nas autointituladas vanguardas. Essa edição está ilustrada por verdades inconvenientes, imagens que fazem pensar nesse equilíbrio frágil de conquistados e conquistadores. Não se trata de uma pauta partidária, mas sempre de um compromisso político ao colocar o dedo na ferida. A nossa ferida do mês é o conceito de desenvolvimento. A que preço? A visão maniqueísta de condenar o produtor rural é tão descabida quanto apoiar a degradação ambiental. Não cederemos ao neorromantismo de idealizar um sertão idílico ou ao antimodernismo para flagelar o agronegócio, mas também não seremos omissos em deixar mais sangue inocente fertilizar nossa terra. Pixé é resistência. Pixé-sertão, Pixé-cerrado, Pixé-Pantanal, Pixé-Brasil.

© 2019 - Revista Literária Pixé.

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