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Eduardo Mahon

Editor Geral

EDITORIAL

 

O diretor-em-chefe da Revista Literária Pixé, no gozo de suas plenipotenciárias capacidades editoriais, decreta que o periódico chegou ao fim. O meirinho deverá postar o presente decreto no reino das palavras para que os leitores dele tomem conhecimento, não podendo alegar ignorância de que, na vida, tudo o que é bom dura pouco. Decreta ainda o mui respeitável diretor que, doravante, manterá todos os números das revistas no espaço digital para download gratuito dos interessados em pesquisar o espólio de as inutilidades que foram produzidas ao longo dos anos. Dando por encerrados os trabalhos, o escrivão lavrará ata que será publicada como o derradeiro editorial, dando fé de que a ficção é a mais pura verdade. 
Se fosse possível resumir o nosso percurso, diria que a Revista se prestou a diversas finalidades, mais imprevistas do que previstas. Todo o aspecto documental – que é o mais aborrecido – estará disponível, no futuro, aos escrutinadores do passado. Neste último editorial, no entanto, importa pontuar o que acredito ter sido o mais relevante: a literatura sobreviverá às ameaças internas e externas. O debate essencial que se travou toca os fundamentos da produção literária. Não se conformando às convenções da ciência, o texto cria uma nova forma de perceber o entorno e se valida por critérios internos e não externos. Desenvolve-se num tempo sem tempo, num lugar sem lugar, uma relação difícil de se encaixar nas pequenas gavetas do armário científico.
A autonomia da literatura é profundamente incômoda ao olhar científico da modernidade. O poema, o conto, o romance não são formas de reconstituição da realidade. Os mecanismos de avaliação do real perdem legitimidade diante da produção literária. Esse buraco negro que se abre à frente da mentalidade moderna consome a cabeça de muita gente. Curiosamente, porém, foi Aristóteles quem cantou a pedra: a ficção não revela o que foi, mas o que poderia ter sido. A metodologia científica dificilmente consegue se manter equilibrada nessa corda bamba porque o tal objeto de investigação, ao mesmo tempo, é e não é o real. Dizendo de outra forma: não se trata de invenção, mas de uma outra convenção da realidade.
Categorizar a literatura é uma das maiores tentações que diabo impõe ao crítico. Se o texto parte da realidade, seria lógico afirmar que é possível sujeitar a análise a um dos campos de conhecimento. Desse sofisma, surgem as leituras dirigidas e, claro, invariavelmente o crítico encontra o que se queria achar. Sobram os filtros, cada qual ajustado para um ramo da ciência moderna. O que falta é, antes de tudo, reconhecer na literatura uma alternativa à mentalidade modular. Talvez tenha sido esta a provocação central dos editoriais. Afora este modorrento texto de abertura, tudo aqui é criatividade. Ou seja, nunca prendi a louca da casa. Minha função é ser Chacrinha, distribuindo mandioca e abacaxi à plateia. O Velho Guerreiro tinha toda razão – eu vim para confundir e não para explicar.
Não pretendo fazer um inventário. Esse tipo de balanço contábil é uma vaidade dispensável. Não há avaliação mais obtusa do que a própria; quase sempre, só faz bem ao próprio avaliador. Como isso aqui não é divã, é chegada a hora do ponto final. Além do mais, qualquer impressão sobre o próprio umbigo não passa de uma nova ficção. Atenção, documentaristas! Cuidado, pesquisadores incautos! Não cedam um milímetro aos sofisticados embustes dos escritores. Todos somos descarados mentirosos. Quem sempre diz a verdade é o texto, estamos combinados? Pelo sim ou pelo não, a revista acaba da mesma forma que começou: de repente. Acho que foi bom ter sido assim. 

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