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Eduardo Mahon

Editor Geral

EDITORIAL
EDITORIAL

 

Vôte!, Oxente!, Tchê!, a Pixé quer olhar para o Brasil. Mas, afinal de contas, haverá “um Brasil”? Não seria esse nosso enorme continente tupiniquim uma imagem construída com muita tinta e algumas balas de canhão? Estamos cutucando a onça com vara curta para falar sobre regionalismo, ou melhor, sobre regionalismos. É preciso nos questionarmos se essas impressões regionais não são, elas mesmas, uma manifestação do que seria nacional em qualquer outro país latino-americano. Só para fundir a cuca, cabe outra questão diametralmente oposta. Importa saber se a escrita classificada como regionalista não é um eco romântico que visa a integração nacional. Autonomia ou integração? Individualidade ou coesão?


Antes de continuarmos, importa resolver um bruta equívoco. Formou-se a convicção – provavelmente às margens da melhor crítica literária – de que o regionalismo é pior, menor, esteticamente mais pobre do que uma literatura considerada universal. Negativo! O guru da crítica brasileira Antonio Candido explica que o antônimo de regionalismo não é universalismo e sim cosmopolitismo. Isso significa que, um texto essencialmente regional pode perfeitamente bem transpirar o drama humano por todos os poros. Não é o caso de José Lins do Rego? De Rachel de Queiroz? De Jorge Amado? De José Américo de Almeida? Se até Manoel de Barros que canta caramujos e borboletas do Pantanal mato-grossense é considerado um poeta nacional, por que a utilização de um determinado cenário faria a obra pior, menor, menos importante?


O regionalismo combate a cidade, a doença do cosmopolitismo e seus sintomas. E mais: é no regionalismo que a(s) identidade(s) brasileira(s) aparece(m) de forma mais nítida. O que mais importa para avaliação de uma obra literária não é o acento usado no texto, não é a geografia, não é um glossário regional. Isso tudo pode formar uma rica simbiose com a narrativa ou compor uma lírica particular, mas nunca substituir o essencial de uma obra literária – o drama humano. O que pode ter ocorrido no nosso rincão é a interiorização do romantismo, isto é, da tarefa literária fundacional de dizer “o que é o Brasil”. Esse projeto de emancipação e de identidade colocou a pergunta no plural: “o que são os Brasis?”. 


De qualquer forma, a polêmica é das menos produtivas que se possa conceber porque não se trata de julgar o que é “bom” ou “mau” e sim rotular uma determinada produção. Chamamos atenção para um outro elemento que os estudos culturais trouxeram para o debate. O regionalismo seria uma manifestação de resistência cultural ao neocolonialismo, de um lado, e à pasteurização cultural do eixo Rio-São Paulo, de outro. Procede? Não. Esse discurso leniente com a produção literária, enxergando-a de forma enviesada, parece-nos comodismo e não dá conta de analisar a obra literária em si. Noutras palavras – enxerga-se o mérito literário pelo contexto e não pelo texto. Fôssemos analisar o contexto real do regionalismo, muito pouco dele está atrelado à resistência cultural e sim vinculado a campos simbólicos locais. Trocando em miúdos: trata-se de falar “por”, “com” e “para” um grupo que (re)conhece determinados códigos que garantem a recompensa.


Em termos de literatura, a paisagem é uma coadjuvante. No máximo, fornece um tempero à narrativa, integrando-se ao personagem como é o caso de Taunay, Graciliano Ramos ou Franklin Távora. Contudo, os pampas, o sertão, o pantanal, a floresta, nada disso protagoniza um romance. Nessa paleta, é possível discernir dois tons: o primeiro usa o cenário como referência e se concentra nos sentimentos humanos em conflito e o segundo faz do cenário um objetivo da obra literária, o que diminui o alcance da expressão. A última coisa que se destaca na obra de Guimarães Rosa são os sertões que emprestam a ambiência para dramas humanos profundos e inconfessáveis. O sertão de Rosa está dentro do sertanejo – é por isso que o levamos para qualquer parte.


Tentar ser regional causa o mesmo prejuízo de tentar não sê-lo. Esse esforço de desterritorialização pode ser tão deletério quanto a fixação monotemática em uma única geografia quando sentimos que, ao ler o livro de um autor, acessamos também a obra toda. Por enquanto, basta. Resumo da ópera: fazer arte não é fácil. A única certeza que temos é que ela serve para retratar a nossa humanidade, nem que seja por meio de uma natureza morta.

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