

Eduardo Mahon
Editor Geral
EDITORIAL
“Alguma coisa acontece no meu coração”, começou Caetano Veloso uma das mais conhecidas canções de seu repertório. Cada um se emociona com um elemento diferente e não há receita de bolo para conquistar o coração humano. A Revista Literária Pixé oferece as mais diversas possibilidades de encontrarmos o amor ou, talvez, de exercitarmos o amar. Por quê? Porque precisamos. A nossa sobrevivência ficará menos penosa se praticarmos uma racionalidade afetiva, um modo de ver o mundo que não seja destituído de ciência, mas que transcenda o modelo cartesiano. No fundo, as ciências sociais já apontam para múltiplas eleições afetivas na própria pesquisa, sobretudo na seleção autoral e temática. A atração para o “objeto de estudo” é, antes de tudo, um querer bem.
Atravessamos um tempo no qual a pandemia parece ser o problema mais grave da contemporaneidade. Ledo engano. A doença mais letal que podemos supor não é a varíola, a hanseníase, a influenza, o novo coronavírus. Não culpemos um microscópico vivente irracional pelos nossos próprios equívocos. O que mata milhões de pessoas é a injustiça social, fruto do crônico egoísmo que obstrui nossas artérias. É o desamor que mata aos poucos, seja por simples inanição, seja por falta de todas as outras condições de vida. Não há saúde, não há educação, não há transporte, não há segurança, não há cultura. Ninguém calcula os nacos de vida que o desamor consome porque a indiferença é um vírus que mata lentamente.
A vacina para a pandemia será descoberta pela ciência em pouco tempo. No mundo atual, temos tecnologia suficiente para mapear o código genético do minúsculo inimigo e encontrar seu flanco sem dificuldade. Vacina sim, cura ainda não. Não conseguimos nos curar do egoísmo. É congênito? Provavelmente sim. No Brasil, vivemos sem remédio para o patrimonialismo, para o personalismo, para o populismo que nos faz pobres de espírito. Além do histórico abismo social que teima em ser omitido, justificado ou minorado, emergem das sombras velhos gritos de ordem cujo resultado sabemos inevitável. O autoritarismo contamina o mundo com mais velocidade do que qualquer outra infecção, necrosando os pulmões da democracia sempre asmática.
Inimigos fictícios são criados com claros objetivos políticos, entre os quais um dos primeiros alvos é a cultura. Vista como ameaça, a produção cultural sempre foi ameaçadora ao pathos irracional. A vacina está com a ciência e para além da ciência. Muitas pessoas, jungidas ao isolamento, perceberam que a cultura é tão essencial quanto a comida. “A gente não quer só comida, a gente quer prazer pra aliviar a dor”, não é isso mesmo? De certa forma, todos nós vivemos famintos. Não se trata de uma retórica melodramática. É simplesmente a nossa realidade que constitui um pasto onde medram o autoritarismo, a intolerância e a violência.
Nós, da Revista Literária Pixé, queremos oferecer um tratamento. Na edição de junho, falaremos de amor. Sem dúvida alguma, “qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amor vale amar”. Teremos múltiplos amores e amares: de Shakespeare a Nelson Rodrigues, amores carnais e espirituais, amores platônicos, românticos, sádicos ou cartesianos, amores transitivos e intransitivos. O amor é um assujeitamento, seja por admiração, por submissão, por projeção ou ainda por identidade. Elegemos quem e o que amamos, muito embora quase nunca consigamos controlar a forma de amar. Por isso mesmo que “amores serão sempre amáveis” – depende mais de quem ama do que do quem é amado. Amar é uma prática curativa, é um ethos ideal para o pathos atual. Portanto, literatura na veia!