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Eduardo Mahon

Editor Geral

EDITORIAL

A cultura contemporânea tornou-se assunto tão espinhoso que surgem querelas por vírgulas. São milhões de olhares sobre a arte, cada um querendo impor a própria hegemonia ou, no mínimo, sobreviver em meio à selva de publicações e exposições. Competição: é disso que se trata? É provável que ninguém admita no próprio tempo em que vive. Mas Bourdieu e Foucault destrincharam o poder. Todo mundo o quer sem dizer que deseja. No caso da literatura, o poder de narrar. Ainda que no campo cultural não se dê uma guerra convencional é muito natural que haja competição para influenciar. A arte é uma luta pelo poder de influenciar. O papo de cooperação mútua causaria cócegas em Bloom, o neurastênico mais simpático da crítica contemporânea.


Nessa perspectiva, é preciso uma plataforma, projeto, programa ou seja lá como se chame o conjunto de propostas de um escritor. O modernismo fundou uma prática de externar taxativamente o projeto literário, desde Baudelaire a Marinetti. Contudo, o que nos interessa mais é a intenção oculta, aquela que não se diz, mora nas entrelinhas do texto e passeia por fora, no contexto autoral. É que os manifestos publicados rapidamente se desintegram frente aos desencontros de autores que sistematicamente descumprem a constituição que fizeram para si. Os grupos se desfazem na velocidade da competição com a qual se batem os integrantes, cada um lutando por mais espaço, por mais visibilidade, por mais reconhecimento.


Ao contextualizar a estética literária é que se encontram os sucessos e os fracassos de qualquer projeto. Além disso, colhe-se a intenção oculta, aquela não confessada nos manifestos. O que o escritor não confessa? O que luta para esconder? Será no texto – não nos panfletos – que encontraremos as coerências e os paradoxos literários. O conservadorismo no modernismo, o passadismo no futurismo, o romantismo no realismo. É assim porque as transições literárias são um duplo movimento. De um lado, autores que se apegam ao estilo posto em xeque, consolidando-o; de outro, autores que se esforçam para encontrar outros referenciais, no mais das vezes evocando um passado do passado, um passado ainda mais passado do que os que estão a enfrentar. 


Aí mora o paradoxo da modernidade, essa tradição de superações. Os novos caminhos são construídos nos escombros dos antigos, pegadas que os novos não conseguem apagar. A literatura nacional conseguiu fugir da missão nacionalista dos primeiros românticos? Deixou de idealizar a terra e os tipos brasileiros? Ou se mantém aprisionada no labirinto temático do qual várias estéticas buscam fugir? Em que medida deixamos de fazer uma “literatura cartográfica”? Desde quando abandonamos uma “literatura tipológica”? Se retrocedermos ainda mais, o que a nova poesia visual faz de tão inovador que já não havia nos hieróglifos? 


O que observamos, não com pessimismo mas com intensa curiosidade, é que por mais que o artista tente não é possível fugir de si mesmo e de sua época. Ninguém antevê o futuro que já não exista. A paranoia futurista arrasa-quarteirão só levou o grupo ao totalitarismo e, ainda assim, não deixou de demarcar um tempo – o tempo da técnica como demonstrou Benjamin. Há escritores que, em nome da liberdade, ironicamente escravizam-se: moldes, formas, imagens, produtos. Tudo indica que importa mais definir “o que produzimos”, “para quem produzimos”, “como produzimos”. Eis a verdadeira liberdade: o direito de escolher o tema e a forma de abordá-lo. Nós, da Revista Pixé, fizemos uma escolha. Buscamos mais janelas do que espelhos. É uma opção deliberada – sair do próprio umbigo e olhar o mundo. O artista da edição é Adílio Felsing, um cabo-verdiano que mora na Alemanha. Mais contemporâneo, impossível.

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