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Eduardo Mahon

Editor Geral

EDITORIAL

Qualquer geração só se afirma quando engravida de outra. São os sucessores, influenciados pelo movimento anterior, quem dão o testemunho do êxito da geração consolidada. No brevíssimo intervalo de 1 ano, a Revista Literária Pixé não só afirmou-se como publicação especializada como propôs o concurso que oportunizou a participação de mais de uma centena de jovens escritores. Aldeamentos indígenas, comunidade quilombolas, contexto urbano e rural, talentos das mais variadas realidades foram acolhidos, lidos, analisados e selecionados. Esta edição é dedicada aos 20 selecionados pela comissão formada por Marília Beatriz de Figueiredo Leite, Ivens Cuiabano Scaff e Divanize Carbonieri. 


A provável constituição de uma nova geração de escritores em Mato Grosso (ou em qualquer outro lugar do Brasil) diz mais respeito ao tema do que à estética. Parece-nos que a ruptura verdadeira – em termos de literatura produzida no interior do país – dar-se-á pela liberdade do antigo compromisso regionalista. A pretensão de dialogar com autores universais desterritorializa a temática costumeiramente centrada na terra e faz com que o protagonismo do cenário torne-se coadjuvante. Tudo indica que não só os selecionados pelo 1º Prêmio Pixé de Literatura, mas também outros escritores desta geração, não tencionam aderir ao projeto literário romântico que ainda ecoa pelo Brasil, qual seja, o compromisso de descrever, retratar e enaltecer a própria terra. 


Outras preocupações são prioritárias para esses jovens. A angústia de um tempo instantâneo, as múltiplas fobias sociais, o abismo financeiro que nos divide, enfim, uma pletora de temas que estão divorciados da recorrente emulação regional a que escritores de vários Estados se dedicam. Se é possível rotacionar a visão sobre um mesmo local (do centro para a margem), é também possível girar ainda mais o eixo temático para fora da paisagem convencional e escrever sobre a própria humanidade. Ainda há espaço para bairrismos no contemporâneo? Será necessária a afirmação local? seremos jungidos às chancelas de instituições tradicionais? O futuro dirá. Em todo o caso, é preciso perceber esse movimento de rebelião silenciosa.


O que pretendia Mann ao escrever Morte em Veneza? A literatura não tinha a obsessão de retratar a terra natal do escritor, mas evidenciar a angústia do personagem que luta contra o próprio desejo conflituoso. É assim com os cânones porque a melhor literatura diz respeito ao que temos de humano, de profundamente humano. Muito embora Shakespeare tenha tangenciado temas essencialmente ingleses, a força dramática que o eternizou está longe da descrição histórica dos reinados dos Henriques ou da geografia inglesa. Não importa realmente em que lugar a história se passe porque a obra shakespeariana pode ser ambientada em Roma, em Londres, em Paris, em Nova Iorque, em Buenos Aires ou em Cuiabá. 


Uma nova geração surge tão rapidamente como as novas tecnologias. No mundo virtual não há fronteiras convencionais. Talvez por isso tenha havido uma mudança radical no compromisso romântico de definir brasilidade e, mais particularmente, o espaço regional. O regionalismo ainda viverá? Provavelmente sim. Essa é uma tradição que está entranhada e ainda tem muito espaço para vicejar. Formam-se microssistemas autorreferentes, pequenos umbigos em torno dos quais gravitam a monotemática regional. Não se trata de definir o que é bom e mau, mas de refletir o que tem maior ou menor alcance, maior ou menor diálogo com as questões essenciais do ser humano. Nem o cosmopolita, nem o regionalista é, por si só, timbre de qualidade, muito embora a última tendência tenha o conforto da acolhida entre escritores mais próximos. Se a Revista Literária Pixé revelar novos escritores desatrelados da tradição já tem aí o mérito de prenunciar uma nova geração. Nós não saberemos. O nosso tempo não nos pertence. Quem o compreenderá será o futuro. Vamos a ele. De preferência, depressa.

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