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Eduardo Mahon

Editor Geral

EDITORIAL

Vamos falar francamente? – a pergunta é a pior forma de abordar um escritor. A literatura não fala de nada com sinceridade. Nem tem o compromisso de retratar com fidelidade nenhum fato por mais prosaico que seja. Já foi o tempo em que se buscava a fidedignidade na pintura, na escultura, na fotografia. Que se digam realistas. Mesmo eles não tratam da realidade sem simulação. Aliás, o ultrarrealismo contemporâneo é uma blague à obsessão de gerações anteriores cujo afã era congelar um instante, uma paisagem ou perfil humano. Não é por outra razão que o moderno surrealismo subverte a lógica positiva que se desdobrou do racionalismo radical. No fundo, fôssemos racionais não nos mataríamos com tanta naturalidade. 


Se é certo que a arte superou a pauta documental pela qual esperava-se dela uma mera reprodução da realidade, por que buscar o verossímil no texto literário? Por que os críticos insistem em decompor a obra em tantas partes quanto possíveis, fissurando palavras como átomos? Por que os estudiosos querem bancar os legistas do romance?, os taxidermistas da poesia? Não seria melhor tratar a arte como arte e manter a estranheza que a caracteriza? Não seria mais lógico pensar nas reações do/no leitor como efeitos da estratégia do texto? Talvez mais gente se dedicasse à arte se, na escola, não fosse questionada com tanta dureza – o que você entendeu?, o que o texto revela?, qual a sua conclusão? Por que os professores não trocam todas essas perguntas para a que mais interessa – o que você sentiu?


O entendimento da arte é a frustração do sentimento. Racionalizar a expressão artística impõe léguas de distanciamento com o público, reservando uma espécie de sala vip para os críticos. Se abdicássemos do velho cartesianismo que impôs uma camisa de força na universidade, talvez sobrasse mais tempo para encontrar outra linguagem capaz de tratar da fruição literária. No entanto, faz parte de uma cruel ortopedia acadêmica a necessidade de encontrar referenciais teóricos. Permite-se analisar por vários ângulos – o estruturalista, o mitológico, o psicológico, o historicista etc – desde de que o crítico responda aos clichês: quais as referências do autor?, o que acrescenta à tradição?, quais as técnicas utilizadas?, e tantas outras que compõem esse formulário criptografado. 


Na edição atual da Revista Literária Pixé, temos um artista que pinta flores. Só pinta flores. Flores e mais flores, de todos os formatos, em todos os matizes. Serão realmente flores? O que elas significam? Não vamos ceder à tentação de racionalizar o impacto do traço moderno de Oscar Araripe. Poderíamos levar o leitor a considerar um paralelo técnico com Matisse ou a provocação de Mondrian, o que não iria contribuir em nada para o prazer da obra. É no gozo que devemos nos concentrar, não na pretensão de verdade ou na racionalização que elitiza o meio cultural. O mais recomendado seria perceber a arte como comunhão tribal: artistas que se aglutinam em torno de uma proposta estética e público que se espanta, rejeita ou admira. 


A literatura anda chata. A explicitação de referências é uma tendência insuportavelmente pedante. Quanto mais explícito fica a intenção do escritor, pior é o texto. Reduz-se o que é artístico ao puramente racional, sujeitando o artista a denunciar o seu lugar no jogo de esconde-esconde. Que porre! A revelação da mágica torna o espetáculo tedioso, pronto para uma análise técnica. A menos que, da revelação, surja outra mágica, outra estranheza parcialmente inexplicável. Estamos nesse caminho? É difícil afirmar. Por enquanto, a preocupação contemporânea com questões distantes do prazer é a tônica da literatura. Pode ser que, algum dia, haja prazer no desprazer. Até alcançarmos a estética e a técnica para ocultar o que está revelado, esse tipo de arte não passa de um púlpito. Um chato e arrogante púlpito.

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