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Edelson Santana
45 anos, nasceu em Rondonópolis e mora em Cuiabá (MT). Graduado em jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso  e em letras pela Universidade Federal de Goiás. Autor do livro Uma poética da solidão em Miguel Torga, resultante da dissertação de mestrado em estudos literários pela UFG, e de artigos publicados no meio acadêmico. Membro da Associação Internacional de Lusitanistas. Atua como revisor de textos na Assembleia Legislativa de Mato Grosso.

PONTO DE FUGA

Quero o poema que diga
em versos cotidianos 
aquilo que o outro grita 
nos becos sós da cidade. 


O chiar do asfalto quente
da rua, de transeuntes 
que ali um dia deixam 
os rastros impercebíveis.  

A forma da massa quase 
amorfa;  com a cabeça 
de  muito pouco pensar, 
mas de coração pulsante. 

A hora livre do pai 
em qualquer canto da casa, 
intervalo de almoço, 
quando brinca com o filho. 

A fala da mãe sem tempo, 
no acalanto de vidas, 
que durante as jornadas  
sonha manter a ternura. 

Imaginar de criança 
ao tomar um brinquedo 
para inventar o mundo 
em breve toque de dedos. 

O espelho do sem-casa 
que não enxerga o céu. 
Alimenta-se dos dias, 
que aos poucos o devoram. 

O som de quem emudece 
e não pode expressar 
a dor que de tão profunda 
tornou-se ela o ser. 

A precisa expressão
do enunciado simples
na ordenação dos dias
forjados em suor.  

Companhia de quem lavra 
a fecundar o vazio. 
E espera da madrugada 
o milagre do renovo. 

A seta do eremita 
que encontra na solidão 
inexorável caminho 
em sentido absoluto. 

A arma do indefeso 
ao se proteger do tiro, 
e se escuda na palavra, 
sua profissão de fé. 

Os tantos protestos tímidos 
dos que resistem à sombra, 
agarram em duas mãos 
o sentimento do mundo. 

O cântico da sarjeta 
onde o bêbado deita 
e, com o rosto ao sol,  
aguarda a vinda da musa. 

A dicção do poeta 
de algum lugar suspeito, 
na devassidão da lama, 
a pisar na auréola. 

A fonte do cantador
em cantigas de amor 
de redondilhas maiores, 
no desafio das rimas. 


Quero o poema que diga.
Que seja forma – e voz 
de quem se jogou na vida 
e não encontrou refúgio.

© 2019 - Revista Literária Pixé.

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