

Débora Pedroni Katunaric
É natural do Rio de Janeiro e apaixonada por línguas e viagens. Formada em Letras pela UERJ, possui pós-graduação na área de Línguistica Aplicada. Trabalhou por mais de 15 anos em diversos cursos de inglês, escolas públicas e privadas, e hoje mora na Croácia, onde ensina Português como Língua estrangeira e desenvolve conteúdo para web. Participa de coletâneas, antologias e tem artigos publicados em diversos sites, incluindo o Brasileiras pelo Mundo.
NAVEGAR É PRECISO
Uma vez, ela decidiu repensar a sua vida. Refletir sobre o que a completava, e o que já estava transbordando. Pegou uma lata de lixo e anotou em pequenos pedaços de papel tudo o que havia passado nos últimos 10 anos ao lado dele. E viu que uma lata de lixo não era suficiente pra tanto papel. Simplesmente não cabia.
Um casamento sonhado e planejado com tanto zelo e cuidado, com a ajuda e orientação de diversos colegas das escolas em que trabalhava como professora de inglês, sua maior paixão. Desde que seus pais a colocaram num reconhecido curso de línguas no bairro onde morava, Cintia não tinha dúvidas sobre o que queria estudar na faculdade: Letras. Estava feliz pelo fato de se casar com seu namorado de adolescência, um rapaz que conheceu na igreja e era querido por todos. Bastante expansivo, comunicativo e irreverente, Caio fazia amizades por onde passava: no trabalho, na faculdade, na vizinhança... todos sabiam quem ele era, e isso o deixava orgulhoso demais. Eu diria até demais da conta.
As últimas provas do vestido de noiva. O grande dia estava se aproximando e, nessa contagem regressiva, Cintia perdeu quase 4 kilos. Ela, que sempre foi alta e magra, se preocupava em parecer muito abatida por conta da magreza. Mas, mesmo assim, estava feliz e radiante, pois realizaria o sonho de se casar e ir morar na Europa. Esses eram os planos que ambos haviam feito antes de se casar, já que sonhavam em viajar o mundo e trabalhar no exterior. Estava tudo encaminhando pra um final feliz.
Passada toda a euforia e felicidade pós-cerimônia de casamento, um choque de realidade. Caio, que desde o princípio compartilhou da ideia da mudança de país, resolveu arrumar um emprego e ficar no Rio de Janeiro. Cintia se viu perdida, pior do que cego em tiroteio, pois dias antes pediu as contas dos cursos de inglês em que trabalhava e se encontrava desempregada. Não tinha palavras pra expressar o que sentia: um misto de desapontamento com tristeza regado a frustração. Viu que seus planos foram por água abaixo. Foi aí que o fim teve início, e o início de uma nova época começava.
Conseguiu emprego num curso de inglês a 2 horas de distância de casa, mas ia feliz, pois a equipe de professores era bem divertida e querida. O que não a deixava mais feliz era seu relacionamento com Caio. O fato de não terem viajado a fez repensar se valia a pena continuar vivendo numa espera constante por uma oportunidade de ir pro exterior, e, mesmo acreditando no casamento como instituição pra vida toda, se sentia cada vez mais anulada e acuada em seu próprio mundo. Queria se libertar, mas não sabia como.
Foi então que Cintia tomou o maior golpe que alguém poderia tomar na vida. Um belo domingo de Páscoa, após 3 anos de união, Caio a chama e diz que conheceu uma outra pessoa. E que essa pessoa estava grávida de um filho seu, e que, por conta disso, ele queria se separar. Assim. Na lata. Sem pausas. Sem pensar duas ou três vezes. Em 10 segundos, ele resolveu terminar um relacionamento de 10 anos. Foram 10 segundos que ficaram ecoando na cabeça de Cintia, e mal saberia ela que esses 10 segundos seriam o divisor de águas da sua vida.
No dia seguinte, resolveu que precisava desabafar com alguém. Saiu meio que sem rumo de casa, não tinha noção de onde estava indo, que direção tomar. De repente, se viu diante de uma igreja e entrou, e teve forças pra se ajoelhar e, aos prantos, perguntava a Deus o porquê de todo aquele sofrimento.
Passado todo o trauma inicial, idas à terapia, igreja, conversas com amigos e apoio familiar, Cintia se viu pronta pra alçar voo, e buscou uma escola pra fazer um curso de comissária de bordo. Nada mais prático do que viajar e ganhar dinheiro viajando do que ser aeromoça, mesmo com todo o medo de voar e passar horas trancada dentro de um avião. Cintia só pensava em quando o avião pousasse e ela pisasse em uma cidade europeia, em conhecer cada canto do mundo onde pudesse chegar. Mas o destino não quis que fosse assim.
Cintia, no entanto, ainda tinha aquela vontade de viajar, mas precisava de dinheiro pra isso, e com salário de professora em um curso não conseguiria alcançar seu objetivo. Naquele dia, foi pra academia malhar um pouco e distrair, e encontrou um amigo que lhe disse que estava embarcando na semana seguinte pra trabalhar em navios de cruzeiro, numa empresa americana. Cintia teve então a ideia que mudaria sua vida pra sempre: chegou em casa, pesquisou as empresas que estavam contratando pra trabalhar a bordo, e fez contatos. Na semana seguinte, já estava sendo entrevistada por telefone por um diretor de Miami, que a achou perfeita pro cargo de animadora e recreadora.
Estava empolgadíssima com o fato de ser sido selecionada pra um navio que partiria de Barcelona e rodaria o Mediterrâneo, seu sonho de itinerário. E, a cada 5 meses, durante quase 5 anos, Cintia trabalhou e conheceu diversos lugares e pessoas, se divertiu como nunca antes, e toda vez que ia pra parte de trás do navio, refletia sobre o seu momento atual, e que todo o sofrimento causado por um relacionamento fracassado tinha ficado no passado. Um passado que serviu para Cintia ver que é possível chegar onde sonhamos, e que navegar era preciso.