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Danuza Lima 

É professora de língua portuguesa da Rede Pública de Ensino, especialista em literatura brasileira e mestra em teoria da literatura, desenvolve pesquisas no campo da poesia e de suas relações para além da palavra. Aquariana, sobrevive entre a docência e as alegrias das pessoas, da poesia e das formas de silêncios. Recentemente lançou os livros Mantra e Sobre a proteção da espada de Iansã, ambos editados pela Macabéa Edições.

DENGO

 

I.​

é sobre o que se inicia mas

há sempre nuvens e sombras nos ombros 

           olhos de sono 

           portas e janelas que se abrem 

aquele momento grosso em camadas 

 

lembranças

           vocais visuais

           táteis 

 

(e o seu sorriso é toda canoa ancorada)

 

quem se banha num mar 

                        deve saber dos mistérios.

 

 ​II. 

estar em meio às estrelas 

como se o céu abaixo dos pés 

                                           estivesse 

é ter este olhar na retina 

onda maré baixa 

pedras miúdas 

 

            quem já sentiu conchas nos pés 

            sabe o sentir sem estar 

                                               a ver

 

o mar guardado 

para além do sal

inscrito em presença

ali.


 

​III.

 teremos embaixo das unhas 

areia úmida de não se plantar?

fiapos e feitiços 

 

(que histórias novas são gatos ao sol) 

 

esticam lambem os pelos

se deixam ficar. 

 

​IV. 

Dizer

que águas têm memória

solução possível

 

            pois elas registram 

            quando do último toque

            a cabeça pensa

            água registra

 

e agora

tomo banho contigo

regaço gostoso 

 

-  frieza  -  

 

dos dedos enrugados

 

(mas enquanto você não vem)

 

passo entre as plantas

invento rituais de escuta

me visto

me lambo

me bebo

 

somente as paredes me têm

água tem memória

e te esperam

aqui. 

 

 

 

A mulher é um animal que chora

e sua glória é ver o sol entrar pela janela

como se fosse o último

ela pega linha agulha areia e palavra

constrói uma concha e se aninha embaixo

nácares e um cheiro terroso vêm do quintal

no sangue que a visita

na comida preparada com intento

no sal dos olhos

a mulher é um animal que chora

do carbonato de cálcio que a envolve

às lembranças histórias e um sono de costume

urge uma mulher

uma flor um sol

as frutas no chão

na foto pela tela do celular

a mulher é um animal que chora.

 

 

 

 

 

 

ao menino Miguel

 

até o lençol perder este cheiro

suor de criança

em colônia de mãe

 

(de algodão e poliéster)

 

feito abraço

o último

dia

na corrida antes do ônibus

 

(caiu um pássaro)

 

até a casa ser mais que parede

e os raros brinquedos

perderem

na sala velha

o antilugar

nada restará

a não ser

 

uma gota de lágrima presa

um parafuso

roscando

constante

entre

a

garganta

esôfago

estômago

intestino

e

se transforme

 

(pena cantar de dor)

 

num corpo voando

35 metros

e um menino ainda

 

(pássaro)

 

assim

de dedos

assim

de boca

e cabelo

preto

 

despencando um corpo

 

(um pássaro)

 

até os riscos da mão

construírem a presença

da textura

e unhas

 

(o céu pode olhar)

 

eu soluço

travo

e nunca a dor

será

estanque

 

(o voo).

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