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Lorenzo Falcão

“Nasci inexplicavelmente para ser poeta”, reconhece Lorenzo Falcão na breve biografia que acompanha “mundo cerrado” (assim mesmo sem maiúsculas por opção do autor). “O cerrado é meu lar e a poesia, o meu mundão sem porteira”, conclui o jornalista, que nasceu em Niterói (RJ), mas cresceu em Mato Grosso, “entre barrancos, pedras e sombras”, e trabalha há muitos anos como jornalista na área de cultura. 

FILHO DA MÃE

- Mãaaaaaanhe... Por favor, me ajude. Preciso de você porque escrever sobre o Dia das Mães é muito arriscado. A tentação de escorregar pelos excessos da melodramaticidade é grande e não quero cair nisso. 


- Tá bom filho, o que é que você quer, então? Quer que eu escreva para você? É isso? Pois você sabe que também tive mãe e sei bem dessa relação. Talvez até mais do que você, que nunca será mãe, já que sua natureza masculina não permite. Quer que eu escreva? Se assim for, não me importo que você assine o meu texto depois. E claro que não direi a ninguém. E faço isso, com prazer, para o seu próprio bem. 


- Não, mãe. Não é isso. Só queria conversar um pouco com você. Recordar e papear sobre as histórias da minha infância, quando você sempre me socorria e livrava a minha. Mas, se você quiser escrever e me deixar mesmo publicar em meu nome, pode ser que seja bom. É que você é mais pragmática, mais direta. E escreve melhor do que eu... não viaja tanto e vai logo direto no assunto. Escrever, eu sinto isso em seus textos, parece coisa como limpar a casa. 


- Ora ora, mas é tudo tarefa, é tudo coisa que a gente tem que fazer. E agora nem sei se você está supervalorizando o ato de limpar a casa, ou se está depreciando o ato da escrita. E nem acho que eu escreva melhor do que você. Somos diferentes e bastante, apesar de você ser o filho de uma mãe que sou eu. 


- Taí, gostei disso que você falou, “o filho de uma mãe que sou eu”. Papo entre filho e mãe que fica assim meio palavrão, xingamento. Você acha que posso começar por aí? Usar esse trocadilho e ir encompridando o texto até dar num ponto final? 


- Enchendo linguiça, imagino que é o que quer dizer com “encompridando o texto”. Pode, se quiser pode. “Filho da mãe” é uma expressão que quase todo mundo que escreve já deve ter parado pra pensar um pouco sobre ela, sobre seus significados e ressignificados. Desenvolvendo seu texto a partir desse papo de “filho da mãe” você já terá, pelo menos, um destino final certo! 


- Destino final??? Que destino final é esse que você está falando? 


- Bom, não quero parecer grosseira nem estupidamente racional, mas seu destino final, partindo desse palavrão corriqueiro, só pode ser um: o lugar comum. 


- Porra, mãe... Agora você acabou com a minha raça. Eu queria tentar ser criativo e usaria esse troço de “filho da mãe” apenas como largada, para depois partir para um estilo mais libertário acrescentando outras ideias e raciocínios. Pretendia, por exemplo, falar sobre aquela conversa de que se a gente deixar o chinelo virado de cabeça pra baixo, a mãe da gente morre. 


- É. E se deixar a gaveta aberta, a mãe também vai pro beleléu. Eu, inclusive, se dependesse dos seus zelos domésticos, já era pra estar morta há muito tempo. Esse papo de chinelo virado é coisa pra educar os filhos a ajudarem na arrumação da casa. E também vai dar naquele lugar... 


- Que lugar...? 


- Lugar comum, oras bolas. Filho que arruma casa, que lava a louça, que sabe fazer e faz as tarefas domésticas é que é algo novidadeiro. Sabe o que eu acho? Quer saber mesmo? ... Pois eu acho que você tem que ser mais inovador e avaliar essa sua história de ser escritor. Você sabe que eu sempre te apoiei e sempre estou do seu lado... 


- É. Isso eu sei. Me lembro quando eu tinha seis anos e te disse que queria ser escritor quando crescesse. E você me lembra qual foi a sua resposta? 


- Não... qual foi? 


- Oh, meu filho... Você quer escolher justamente a profissão que dá menos dinheiro?. Foi isso que você disse. E acho que nem estava tão errada assim, pois, afinal, era para o meu próprio bem. 


- Não me lembro de ter dito isso... 


- Não faz mal. Não importa mais, e o que importa é que eu já tenho tudo que vou escrever. Gravei esta nossa conversa e vou reproduzi-la do mesmo jeitinho que nós falamos. Você acha legal essa ideia? 


- Huuummmm... Não sei não. Depois que você digitar tudo eu gostaria de dar uma olhada e talvez queira mudar alguma coisinha. Não quero que passe a ideia de que eu sou uma mãe muito autoritária... 

© 2019 - Revista Literária Pixé.

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