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Nara Vidal 
É mineira de Guarani. Desde 2001 mora na Europa de onde escreve para jornais e revistas diversas. É autora de infantis e adultos. Ganhou o Maximiano Campos na categoria contos e o Brazilian Press Awards três vezes na categoria literatura. Seu primeiro romance Sorte é o vencedor do terceiro lugar do Prêmio Oceanos 2019. Nara mantem a livraria online Capitolina Books especializada em literatura contemporânea em língua portuguesa.

POR POUCO


(do livro “Lugar Comum” Editora Pasavento, 2015)

Aquele amor tinha começado pelo fim. Quando aos doze anos virava moça visível aos olhos dos outros e temia que a blusa de tecido ralo do uniforme mostrasse o coração aos pulos, prestes a encontrar na escola o que se tornaria o amor da vida. Evitava cruzar olhares com quem pudesse tirá-la do eixo, fazer do seu rosto fogo vivo, e do coração carne crua. Era tanto amor que dificultaram tudo o que puderam. Tinham tanto receio de espatifarem em cacos tamanho amor que pouparam tudo, cada gota dele. A vida precisa de juízo. Amor daquele jeito só podia ser exagero, excesso. A vida precisa ser comedida, vivida em parcimônia, senão estraga, faz mal. Aquela batida pulando de amor dentro do uniforme passou pela vida e viu outras roupas. A concomitância do quente e do frio que fazia os olhos salgar de amor, com suspiro e tantos outros doces, ela só sentia com o amor de sempre. Aquele. A moça vinda de fora, o menino que falava inglês, um giz, uma partida de vôlei, uma carta, um bilhete. Tantos bilhetes, explicaram que não era possível. Explicaram que aquele amor desajeitado crescia para não acabar mais. No degrau da rua onde passava vida de todo o jeito, ficou esfarelado o amor dos dois. A prefeitura já limpou a rua, o degrau há tempos. Mas os dois sabem que ficou ali quebrado o que tem para consertar. Preferiram não viver o maior amor do mundo inteiro e que, por isso, continua sendo de uma forma impressionante, infinito. E se você olhar lá estão, inteirinhos, feitos aos pedaços. Paisagem inacabada. Assim concluída.

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