Luciene Carvalho
Escritora, poetisa e membro da Academia Mato-Grossense de Letras
CUIABÁ DAS MINHAS ARTÉRIAS
Cuiabá,
Velha senhora dos brincos de ouro...
Quando a vida
Se fez dura
Nós fugimos para cá.
Eu fiquei sabendo
De coisas estranhas,
Palavras dessignificadas pra mim:
Piçarra, adobe, muxirum
E a pequena casa
De meia água
Ficou pronta.
Ficava nos fundos
Do grande mundo
Chamado quintal
Fiquei tonta, fiquei mal,
Tentei fugir
Sair daqui.
A cada volta,
Fui ficando
Mais sua...
Suas ruas
Entraram por minhas artérias,
Suas frutas, seus falares
Praça Ipiranga, lugares
Mais de 9 tipos de mangas
Suas riquezas, suas misérias
Escola José Barnabé de Mesquita!
Tem o chitão e tem a chita
Eu cheguei junto com o Palácio Paiaguás
Parecia uma Brasília
Ou seria uma ilha
De cegos pelo poder?
Pacu, caju, pacupeva
Seriguela, manacá
Cuiabá
A várzea Ana Poupino
Presente de concubino
Meu olho estatelado
Pensava “Que que é aquilo?”
Quando olhava prum ‘grilo ‘
Vila Santa Isabel
Barro duro
Pedregal
Escola Técnica Federal
Aí eu encolhi
Com as moças finas daqui
Helena Scaff, Silva Ferro
Gisele Addor
Ariadne Kuramoti
Gisele Bojikian
Fui para o fundo da sala
Teudolito, régua T
Nível, papel vegetal
A prainha era aberta
Surge a perimetral
Nós saímos
E voltamos pro quintal
Porto, Dom Aquino
Rua Barão de Melgaço
Eu já dava
Beijo e abraço...
Mudamos pro Tijucal
Lonnngeeeee
Passei no vestibular
Encontrei o meu lugar:
Universidade Federal
Projeto Cura
A Prainha foi fechada
Mas a cada enxurrada...
Cuiabá sempre alagada
Zezé e Carumbé
Feira do Porto
Cuiabá
Chegando gente!
Semáforos
Quebra-molas
Adeus, Praia dos Artistas
Na Fernando Corrêa
Foram duplicando as pistas
Diário de Cuiabá
O Estado de Mato Grosso
A Gazeta
O Jejé
O Choppão
Renata
Roberta Tenuta
Será que quem entra no Alencastro
Se acha alguma espécie de Astro?
Chegando gente!
Movimento Estudantil
Na militância, infiltrada
Tava a polícia cicom
O Rio...
Tiravam areia
Jogavam óleo e merda
Chegando gente!
Asfalto ruim pra catiça
Água, dia sim, outro não
Eu morria de preguiça
Se tinha que baldear
Cuiabá
Caldo de milho
Fufú
Cacau
Casei
Mudei
Nem sei
Continuei Cuiabá
Jardim Paulista
E, na morada do Ouro,
Tem Ouro, Miguel Sutil?
Jardim Imperial
Faculdade particular
Uma, duas, uma porção
Pico do amor
Poção
Jardim Tropical
Pedra 90
Chegando gente!
Será que a cidade aguenta?
Tem planejamento?
Orçamento...
Tchau, canoa
Tchau, tchuá
Tchau pro guaraná ralado
Na grosa
Na hora
Cuiabá não é mais roça
Viva a tecnologia!
Espia...
Paschoal Ramos
Jardim Itália
Condomínio vertical
Condomínio horizontal.
Tem mais povo, mais gente comendo ovo
O SUS demora uma morte
Sorte que tem chá de planta...
Tem?
Estão cimentando
A cidade que era verde
O peixe tá num preço
Que até arde
Passei um tempo fora
Voltei
Versei.
Tanto carro; pouca rua
Mas, ainda temos a lua
Saindo por trás da montanha
Quem ganha
De verdade
Na cidade verde?
A gente perde tanto tempo esperando ônibus
Pra ir pro Osmar Cabral
Altos da Glória
Jardim Industriário
A gente perde
Quem ganha?
Onde que é feita a barganha?
Eu aposto no Rei Tempo
Que mistura os elementos,
Burila os sentimentos...
Creia,
O Rei Tempo tem memória
E lê versos
Tenho fé.
O TEMPO foi,
Ainda é
E vai mudar a nossa história
Esbravejo.
Choro em grito – grito em choro.
Desespero. Sussurro.