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Luiz Renato de Souza Pinto

Em 1998 lancei meu primeiro romance, “Matrinchã do Teles Pires”, agora em segunda edição. Nele trato da colonização do norte de Mato Grosso por colonos do sul do país, ao longo da ditadura militar. Em 2014 publiquei um segundo volume sob o mesmo tema, intitulado “Flor do Ingá”, desdobrando a aventura e apresentando o cotidiano de um casal que se conhece em Londrina, Paraná e vem para cá também. “Xibio”, de 2018 completa a trilogia amazônica, destacando a vinda de nordestinos para garimpos de diamante em Mato Grosso e Goiás. Publiquei “Duplo Sentido” (crônicas), em 2016, em parceria com o poeta pernambucano Carlos Barros e no ano seguinte fui contemplado com o Prêmio Mato Grosso de Literatura na categoria poesia, com o livro “Gênero, Número, Graal”.

UM TIRO SAÍDO DO REFORMATÓRIO

Bruna Meneguetti me deseja que goste da história e que o livro me faça viajar para o Rio de Janeiro na década de 50: conseguiu! Mais que isso, me possibilitou andar lado a lado com o General Lott, observar ao fundo as vicissitudes de Juscelino, submeter-me à observação da insensatez de um Golbery do Couto e Silva. Salva de palmas para a literatura brasileira contemporânea; para a escrita feminina potente e diversa; para leitores que não se contentam com finais felizes de dramas inúteis; uma salva de tiros de festim por tantos começos e tantos meios, enfim!


O PRIMEIRO TIRO: “Sabia que o primeiro tiro foi disparado contra um navio holandês, em 1599?” (MENEGUETTI, 2019, p. 271). Consta dos manuais de história que certa esquadra com a tripulação acometida de escorbuto fora expulsa da Baía, escurraçada por tiros disparados contra o comando holandês de Olivier Van Noort. A velha Baía, tão protegida pelos indígenas, repousa sobre águas tranquilas, enquanto tiroteios esculpem as paredes de classe alta, média, perfuram lajes e destroem habitações humildes da cidade de São Sebastião. Copacabana, princesinha do mar, enlameada de sangue na Toneleros. A bossa nova seria trilha sonora daqueles anos, corpos seminus a caminho do mar, uísque com guaraná, garotas de Ipanema, não de Irajá. 


UM SEGUNDO TIRO: ainda tenho minhas dúvidas se o caudilho atentou mesmo contra a própria vida. “... imaginar que era verdade quando Getúlio dizia que só sairia morto do Catete? Quem pensaria que ele afirmaria em uma carta ter dado fim à própria vida diante da pressão de seus inimigos, contrários ao trabalhismo?” (idem, p. 33). Visitar o Palácio do Catete é penetrar surdamente no reino daquelas palavras, parodiando a Drummond. Tanta pedra em nosso caminho. Mas quem saberia o caminho das pedras, o vidente cego de nome Isaías? ; ou os frequentadores do Clube da Lanterna – luzerna em permanente vigília a fim de manter as benesses do poder intactas, longe do alcance popular? “Então Lott puxou o gatilho, fazendo com que o rapaz caísse no mesmo minuto” (idem, p. 62).


O Rio de Marielle, o de Pezão, aquele do Brizola. O Rio do samba, da cachaça, das escolas de samba. O rio da malandragem, das milícias, das sevícias em geral. Toda a água do Rio vai para o mar. Vai, vaza!. Água que passarinho não bebe, água de beber e de brincar. A beira da praia. “Lagoão grande” que o mineiro JK governaria, a caminho da construção de Brasília. Cinco anos em cinco. Café com Leite: Café Filho com leite quente, Luz para todos que acompanhavam o Tamandaré. Marcha a ré na democracia. 


A classe operária foi corrompida moralmente pela legislação trabalhista. Quem votou em Kubitschek e Goulart o fez com a emoção e não com a razão. Devemos desconsiderar seus votos por causa disso, pois foi assim que Hitler ganhou as eleições e foi assim que vimos ditadores chegarem ao poder através do voto popular, porque aproveitaram a emoção e mobilizaram o povo impedindo-o de raciocinar. Temos que impedir um golpe por via eleitoral! O PSD e PTB trarão um governo de falsidade (idem, p. 91).


O TERCEIRO TIRO: “Sim, o último tiro da Guanabara foi disparado! – Isaías colocou a mão no próprio ombro, feliz por finalmente poder dar descanso ao corpo e, principalmente, ao braço ferido. – Preciso apenas que faça mais um favor” (p. 295). O Rio de Janeiro continua lindo. Paraíso dos surfistas, quintal imigratório de aves que pousam, se alimentam e voltam para seus lares. Terra de ausentes. Terra de presentes. De deuses, adeuses, água para mais de metro. 


O romance de Bruna Meneguetti é dessas obras que nos fazem torcer o beiço para injustiças, nos pega pelo lado avesso da história e faz duvidar do que se lê e ouve. Não há sintaxes difíceis de compreender. A retórica do texto envolve a trama em nuvens de fumaça colorida, névoas que colocam o leitor no campo de percepção do vidente que a tudo enxerga e quase tudo vê. Torço por Genoveva que vende o pão que o próprio diabo amassou. Torço não pelo que sova, mas pelo que é sovado. Joana e Cecília. Sofro pelo General Lott. Brasiliana e Penélope não me despertam sentimentos de nenhum calibre. Ao lado do Juscelino havia sim, uma grande mulher. 


Jango para mim é uma espécie de Oswald de Andrade sem a verve artística. Jânio Quadros é patético. “Desde 11 de novembro de 1955, nenhum tiro foi disparado na Baía de Guanabara” (p. 299). Brinco com Bruna, que conheci na Patuscada, Livraria & Café, em São Paulo: “Que tiro foi esse?”, ao que ela me responde: “espero que depois de ler me diga que livro foi esse!”. Encerro com uma imagem desenhada com poucas palavras na orelha do livro, assinada pelo premiado escritor José Almeida Júnior: 


...com intenso trabalho de pesquisa, a autora reconstrói o Brasil dos anos 1950, preenchendo as lacunas e recontando a História Oficial. O último tiro da Guanabara é bem sucedido ao trazer à tona um episódio pouco conhecido da História do Brasil de maneira bem-humorada, fluida e instigante. 

REFERÊNCIA
Meneguetti, Bruna. O último tiro da Guanabara. São Paulo: Reformatório, 2019. 
 

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