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Eduardo Mahon

41, é carioca da gema, advogado e escritor. Mora em Cuiabá com a esposa Clarisse Mahon, onde passa sufoco com seus trigêmeos: José Geraldo, João Gabriel e Eduardo Jorge. Autor de livros de poemas, contos e romances, publica pela Editora Carlini e Caniato.  

HIPO

Parado no viaduto engarrafado, o homem olhava com inveja o trânsito que fluía normalmente. Mas ali, na ponte estreita, não havia como ir para frente ou para trás. A duzentos metros de uma batida feia, amofinado esperou quarenta minutos. A ambulância gritava mesmo depois de chegar ao destino. O calor completava o cenário. Vamos com isso, quero chegar em casa! – reclamava Eduardo Marinho por entre os dentes. A depender do serviço de emergência, o sujeito morre aqui mesmo na pista, pensou. Nem por isso, adiantaram-se os guardas que plantaram os cones amarelos, nem os enfermeiros que imobilizavam a vítima. O atraso agravava o calor. Eduardo Marinho olhou novamente para baixo e viu um hipopótamo transitando com três pessoas na corcunda. Coçou os olhos e, com eles limpos, confirmou o desvario. O animal seguia num trote curto, oscilando sobre as delicadas patas, a balançar alegremente as banhas largas e as orelhas miúdas. O observador julgou que estivesse tendo uma miragem, daquelas que se veem no Saara, no Gabreb, no Gobi, ou seja lá onde haja deserto, calor e engarrafamento. Chegou em casa, bebeu água fria, tomou um banho demorado. Vai ser que eu estava desidratado, ponderou. No dia seguinte, tendo esquecido a intercorrência estranha, refez o mesmo caminho que ligava a cidade velha ao bairro novo, onde trabalhava. Ao passar pelo viaduto, viu ao lado do carro, outro hipopótamo deambulando devagar, dessa vez com dois adultos que conversavam alegremente sobre as costas arqueadas do bicho. Não é possível!, disse em voz alta como se acusasse o insólito num tribunal. Ficou com vergonha de contar aos colegas de trabalho. Naquele dia, fez o que qualquer corretor faz: ligou para compradores, para vendedores, brigou com uns, agradou a outros, fez visitas com clientes aos imóveis do catálogo e voltou para casa, ensimesmado com o delírio persistente. À mãe que ligou no princípio da noite, fez uma pergunta inusitada: a senhora tem reparado algo diferente no trânsito da cidade? Não reparei, está o mesmo inferno de sempre, disse a senhora. O caso piorou nos dias que se seguiram. Eduardo Marinho via hipopótamos em comboios, uns mordendo os rabos dos outros. Não só. Percebeu alguns ungulados enfileirados fazendo ponto para corridas rápidas, outros estacionados em frente a mercados e, finalmente, os maiores a ostentar tabuletas com horários de partida e de chegada. Estou louco!, acusou-se. Ruminou sozinho o problema para senti-lo por completo: se contar a alguém, serei internado, meu caso é gravíssimo. Certo ou errado, Eduardo Marinho constatou que os hipos andavam na cidade mais rápido do que os carros, usando de uma linha exclusiva à direita. Essa inovação, digamos assim, não resolvia o irremediável engarrafamento na cidade, sobretudo no viaduto que funcionava mesmo como um funil, incapaz de dar vazão à multidão de carros, motos e hipopótamos que vinham da cidade velha nos horários de pico. Para mim, chega!, Eduardo Marinho resolveu-se. Na sexta-feira, dia de trânsito crônico em qualquer horário, tomou o café, vestiu uma calça jeans desbotada e andou até ao ponto onde hipopótamos pastavam em fila. Por um instante, teve medo dos dentes enormes que os mamíferos expunham ao mastigar. No entanto, queria testar a nova forma de transporte e, se desse certo, louco ou são, era assim que iria trabalhar daquele momento em diante. Como é que vou me aproximar? Na ausência de condutor da mesma espécie, Marinho não viu qualquer indicação de como montar o bicho, se ele transportava uma ou várias pessoas, quanto seria a corrida ou de que forma iria pagar o transporte. Caminhando lentamente, chegou à esquina onde estava o bando e abordou o último hipopótamo da fila. Sem sucesso, porém. Para chamar atenção, deu pequenos tapinhas nas costas, cutucões no flanco, afagou o chifre, mas nada adiantou. O hipo fez cara de paisagem, até ter o rabo puxado pela incômoda insistência de Eduardo Marinho que viu o bicho parar de comer, virar a cabeça e dizer: que mal educado o senhor! Não vê que há fila?

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