Eduardo Mahon
Editor Geral
EDITORIAL
Pixé na praça! Nesta edição, o leitor perceberá um duplo movimento: enquanto a arte de Mató atomiza a estética convencional e a reorganiza em labirintos, mais escritores se aglutinam em volta dessa nova tribo virtual. Haverá futuro? Será o fim da História? A provocação de Fukuyama deve ser recolocada na contemporaneidade. O papo está difícil? A gente descomplica. No passado, ao fechar os olhos e imaginar o futuro, a maioria das pessoas não acreditaria no nosso presente, tão prosaico, tão insosso. Tudo seria mais interessante: carros voadores, turismo espacial, contato alienígena, a cura de todas as doenças. Viveríamos para sempre com a pedra filosofal da tecnologia.
Contudo, o progresso sonhado por Júlio Verne num mundo ordeiro e limpo, o futuro de paz e prosperidade, o amanhã nascido para seres superiormente inteligentes, perdeu-se em guerras e outras atrocidades. Dessa desilusão, nasceu um futuro alternativo ao otimismo passado, mais à moda de Aldous Huxley e George Orwell. Renasceu o Frankenstein de Shelley, reencarnado em muitos monstros que Stevenson anteviu para essa humanidade-desumana. Não ficamos nada parecidos com os alienígenas dos filmes: mais altos, magros, delicados e racionais. Somos os humanos de sempre: macacos que fazem ironia.
O futuro não é mais como era antigamente. O século passado virou de pernas pro ar o que se esperava dele. Na literatura, o homem virou mulher com Virgínia Wolf, virou barata com Franz Kafka e, finalmente, indeterminou-se com Samuel Beckett. Nas artes plásticas, todas as certezas derreteram com Dali e despedaçaram-se com Picasso. O que é arte?, fustigou Duchamp. A arte é o vem do artista e, portanto, é o próprio artista nominando a si e à obra. Se Deus ordenou “fiat lux” e a luz se fez, no século XX o artista reordenou as coisas. “Fiat artem” e a arte se fez e ainda se faz pelo que diz e pelo que quer dela mesma.
No contemporâneo, o futurismo de Marinetti tornou-se passadismo? A vanguarda cedeu à retaguarda? O quão moderno continua o modernismo? Que modernidade não se tornou conservadora? Não temos o distanciamento suficiente para responder a todas as perguntas no turbilhão do tempo-instante. O fato é que muito de Severini e de Russolo, outro tanto de Balla e de Prampolini habitam na arte de Maria Pia Tedesco, a nossa Mató. Com os futuristas italianos, a geometria deixou de ser a expressão da certeza para envolver a humanidade em armadilhas, labirintos, ansiedades e desilusões.
Não nos parece que tenhamos superado os questionamentos do século XX. Até mesmo o conceito de “superação” envelheceu. Portanto, as antigas noções de rompimento, de revolução e de vanguarda passaram a ser tão cíclicas e tão quotidianas que perderam o sentido. Pensando bem, trocamos a paranoia da superação pela convivência com a diversidade, a despeito dos rótulos que não passam de reducionismos.
Talvez o ser humano nunca supere a si mesmo, condenado a viver de meras atualizações para as mesmas perguntas de sempre. O monólito de Arthur Clark ainda não foi decifrado, desde os australopitecos até o homo tão pouco sapiens. Talvez seja assim que devamos interpretar os fragmentos de Mató: monólitos de tempo, perplexidades sobre o que somos, de onde viemos e para onde vamos. Talvez seja assim também com a literatura. Responda você!