Eduardo Mahon
Editor Geral
EDITORIAL
Deus livre os escritores da canonização! A consagração do autor é como metê-lo no gesso e deixá-lo curar, mais ou menos o que Roland Barthes melhor definiu como “a morte do autor”. A crítica literária é assim: uma necropsia impiedosa, com direito à exposição pública dos bofes autorais. Nós, aqui da Pixé, queremos continuar bem vivos a desafiar a nossa própria biografia. O que a literatura mais precisa não são de pódios de chegada, mas de linhas de partida. Sirva o presente editorial como um alerta: menos bustos de bronze, menos pedestais de mármore, menos púrpura cardinalícia na produção contemporânea. No mundo virtual, a existência é uma invenção; o espaço, uma ficção; o tempo, uma onipresença presente. Nós somos quem escolhemos ser. Acabou-se o tempo de definições terceirizadas.
Já foi o tempo que Belchior tinha razão: “minha dor é perceber que, apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”. O tempo servia para acomodar temperamentos, o enjoo do marinheiro de primeira viagem e o tesão do garoto com as revistinhas do Carlos Zéfiro. Não se fazem mais velhos como antigamente! Fazer literatura às margens dos grandes centros tem essa vantagem – não permitir que o escritor faça corpo mole. Hoje em dia, poesia vende! E vende muito! A nossa poesia não está oferecida a granel nas prateleiras das livrarias, mas no varejo das redes sociais. Vende-se poesia nos postes de rua, nos muros em branco e nas canecas de café. Vende-se poesia nos imãs de geladeira, nas bocas de profeta de rua e até nas cuecas samba-canção. Enfim, o poema desencarnou dos livros. Tchau e benção. Saravá!
Por tudo isso, a literatura contemporânea não reza no catecismo de nenhuma igrejinha, os movimentos viraram movimentações, os manifestos converteram-se em manifestações. Não queiram que os escritores prossigam com rituais do beija-mão ou gastem os joelhos nos antigos altares a flagelar o próprio estilo para alcançar a canonização depois da morte. O que não falta é santo com pé de barro. O grande lance é dar trabalho ao leitor e aos estudiosos. Enquanto eles vão com o caju, nós voltamos com a castanha. Certo mesmo estava Raul Seixas que não ficava parado no trono do apartamento com a boca escancarada, esperando a morte chegar. A nossa boca quer comer, quer beijar, quer morder e não quer calar.
Além do mais, a Revista Pixé não está aqui para matar a fome de ninguém. O nosso maior desejo é ouvir o ronco da barriga do leitor. No máximo, oferecemos pílulas de reposição poética, tratamento de longo prazo para não deixar a vida amargar. Aí está a nossa homeopatia literária: de letra em letra. No cardápio desta edição, a arte de Regina Pena está servida: fragmentada, pigmentada, encapsulada, pronta para explodir e virar borboleta. A artista alcança as cores de Gauguin, sem precisar ir tão longe para encontrar inspiração. Capta toda a luz de que precisa dessa nossa polinésia cuiabana. Portanto, coloquem os óculos escuros e boa leitura!