Carlito Azevedo
É editor, tradutor, crítico e poeta.
SER COTIDIANO, 1998
“A capacidade de retirar a poesia mais límpida das coisas simples, banais e cotidianas situa a poeta Lucinda Nogueira Persona na família poética de Manuel Bandeira (que se perguntava, num poema famoso, que importavam a Glória, a paisagem e a linha do horizonte, se o que ele via era o beco), e de Mário Quintana (que escreveu que descobrir continentes é tão fácil como esbarrar num elefante e que poeta é aquele que acha uma moedinha perdida). Mas neste Ser cotidiano, assim como na poesia daqueles dois mestres, a simplicidade é enganosa, e não só esconde uma relação sofisticada com o verso e com a palavra coloquial, mas também abre estranhos mundos por trás das coisas comuns. Como a sopa de ervilhas tomada à noite que perde seu caráter tranquilizador e ameno para tornar-se um pântano a nos sugar como um buraco de treva na noite do poema, ou ainda como as violetas do belíssimo poema “De ser tarde”, que são chamadas, em verso antológico, “labaredas roxas de nenhum fogo”. Isso porque Lucinda tem o poder da síntese e o da transfiguração. Poder que lhe vem ora da intensidade com que vive seus momentos, como lavar alimentos na cozinha (“Abro a torneira. A água me envolve/ e, dessa calma agitação eu me entretenho/ como se tivesse uma cachoeira nas mãos”), ora lhe vem de Eros (“Flutuando como gaivota/ rastejando como caracol/ e anulando perfumes/ as flores não valiam nada. / Os sexos eram flores”). Quem diria que poeta tão mestra no domínio do cotidiano seria tão certeira na transfiguração metafórica. Lucinda Nogueira Persona é uma das mais gratas surpresas da nova poesia brasileira”.
[Orelha de Ser cotidiano, 1998]