Caio Augusto Ribeiro
É de Rondonópolis, cidade onde nasceu em 1996, mas reside em Cuiabá desde 2011. Estudante de Ciências Sociais na Universidade Federal de Mato Grosso participa ativamente do meio artístico. Ator, diretor e performer, Caio desenvolveu diversos projetos artísticos, como o de roteirista de filme e diretor de livro.
Marcella Gaioto
Acadêmica de Literatura na UFMT, revisora de textos e artista do coletivo “Coma a Fronteira”.
MAS O MEL ERA BOM
Ela está sentada em frente ao boteco que ele visita todos os dias. Não tem coragem de chegar mais perto, mas sabe que uma hora vai ter de fazer isso.
Ela olhou três panelas de óleo quente de fritar pastel. Sabe que é um bom sinal de defesa. Ou ataque? Não sei. Ela talvez saiba melhor responder isso.
O relógio marcou cinco e meia. Tempo suficiente pra ele sair do trabalho as cinco e chegar no boteco, descendo a ladeira da fundação. Ninguém chegou. E no fundo, ela sabe que ninguém chegaria. O único questionamento era: ele sabia? E se sabia, como sabia?
Enquanto isso, pensa o dono do boteco, eu acho que já vi essa mulher aqui. Enquanto isso, ela julga nunca ter ido lá antes, a não ser para pegar as chaves da moto com ele. Mas ele sabia, assim então, que ela não iria.
Em casa, ela toma um gole de um trago feito com o que encontrou na geladeira. Camomila, baunilha e mais um punhado de coisas que sabia que seriam um calmante. Adoçou com o mel que ele havia trazido do final de semana na fazenda dum amigo que não foi apresentado, e no fundo ela sabe que este amigo não existe. Mas o mel era bom.
É que pode ser que ele venha de alguma história... Ele lia histórias? De vez em quando ele lia histórias, sim. Mas não sabe de onde vinham. Ela vai encerrando o chá, enquanto sobe um degrau, depois outra bebericada e mais um degrau, e outra bebericada, dois degraus, até chegar ao topo do outro andar, que não era bem outro andar, mas um pouco mais alto que o resto da casa. Lá tem histórias, provavelmente alguma história sobre mel. Ou sobre homens. Ou sobre verdades que podem ser mentiras.
Na mesa, a resposta que ela sentiu seguir, um livro, não, um catálogo dos pontos turísticos da cidade. Não tinha uma história de que ele receberia uma prima de fortaleza? Já com o livro, não, porra, o catalogo nas mãos, a primeira página foi a mãe de todo o silêncio: orla do porto de Cuiabá, com um xis feito de caneta azul circulando o Caldo do Zé. Ela sempre quis conhecer o caldo do zé. A orla do porto foi onde a cidade começou, tava escrito.
Chega no porto. Atravessa a orla. Olha para a correnteza do rio, que é branda. Não tem certeza do que está fazendo ali. Uma mulher passa olhando enquanto um bebê segura a sua mão, e a correnteza vai acompanhando os passos da mulher que também é mãe e ela olha isso sem saber se despreza ou retém.
O homem está lá, no local exato em que a imagem em sua cabeça dizia que estaria. Bom, ponto pra ela, então? Não. Faltava coragem, mas sobrava ódio. E isso era um grande problema pra todos ali. Deu meia volta e já estava no lugar onde havia sido um grande porto, em que barcos carregados e vazios chegavam para alimentar Cuiabá com suas iguarias vindas dos quatro cantos.
Andando de modo lento, se aproximou dele. Sabia que estava segura, até então. Segurou na bochecha dele e apertou. Nada então mudou sua expressão. Continuava assim, um pouco plástica, um pouco cansada.
O homem arregala os olhos como quem finge não saber que esta hora chegaria. Aquilo que se escondida no porão, começa a sair pelos olhos, saliva e respiração. Não se levanta, disse a traída para a traidora. Não. A mulher sentada na mesa não era uma traidora. Esse pensamento tem que acabar.
Você sabia que ele era casado? Pergunta. O Julio? Eu não sabia! Você é casado Julio? O ódio, que antes deitava sob os olhos da primeira mulher, agora tinha contornos nos olhos da segunda mulher, também. O homem boquiaberto não fazia nada. Ele nunca esperou que este fim chegaria, onde as duas lobas comem cada pedaço do macho e tomam seu lugar de Alfa.
Vem, eu te pago uma bebida, este cara é um zero a esquerda. A mulher levantou e tocou a mão da que a convidara. O homem gritava e um garçom tinha uma câmera. As duas lobas caminham enquanto trocam palavras, ainda trêmulas, mas palavras de amor. Os berros do homem já não incomodam mais.