Caio Augusto Ribeiro
É ator e diretor inscrito pelo DRT 0000651\MT. Começou os trabalhos como ator em 2009. Autor do livro “Porão da Alma” (clube de autores), Colecionador De Tempestades (Carlini&Caniato) e Manifesto da Manifesta (Carlini&Caniato), diretor do curta-metragem Réqueim Para Flores (2017). Fundador do coletivo de artes hibridas Coma A Fronteira. Atualmente desenvolve trabalhos levando poesias e processos criativos para as escolas e faculdades. Realiza oficinas voltadas para produção poética, arte urbana e teatro. Mas no fundo, prefere passar o dia no jardim olhando folhas e formigas.
A DISTÂNCIA E A REVOLTA
Não existe mais distância.
Pelo menos não a distância que havia há 10 anos. E a distância dos últimos dez minutos também se transformou. Houve um tempo, nem tão longe, em que a distância era a medida de separação entre dois pontos. O mínimo comprimento entre as possíveis trajetórias sobre a superfície partindo de um ponto e atingindo o outro. Era tão mais fácil, naquela época, saber se está longe ou se está perto. Se vai demorar ou se será rapidinho.
A distância se transformou. A gente se transformou e acabamos transformando os nossos parâmetros de distanciamento. A modernidade tardia trouxe o advento da dupla-qualidade em estar perto e longe: Longeperto & pertolonge.
Longeperto
Advérbio e/ou adjetivo. Sensação ou capacidade de estar geograficamente distante de alguma coisa ou ideia, mas ainda sentir-se próximo ou conectado de alguma forma (geralmente inexplicável ou genuinamente emocionada). Não confundir com saudade. Nem com melancolia, ainda que possam estar acompanhadas.
Pertolonge
Advérbio e/ou adjetivo. Sensação, capacidade ou ainda o sentimento (e porque não a emoção?) de estar geograficamente próxima de uma coisa ou ideia, mas sentir um distanciamento (pequeno, grande ou imenso) sobre aquilo que tenta (e aí, sem sucesso) se conectar. Há uma não-afinidade que impede que o fluxo contínuo se estabeleça, levando a uma sensação de distanciamento daquilo que se está próximo.
Essas duas sensações são muito comuns. Acontece que a distância se desenvolveu e tomou caminhos muito complexos – assim como as nossas relações, pois essas duas instituições se interpenetram, onde uma faz a outra e a outra faz a primeira. A causa desta transformação não está aqui (esta perigosa tarefa fica para a posteridade), no entanto uma mínima reflexão sobre as distâncias é possível.
Neste dilema de Longeperto & Pertolonge, ainda existe espaço para definir Centro e Margem? Com essa gigantesca capacidade de encurtar as distâncias ou estender abismos, é possível estar perto ou longe daquilo que se tem nas mãos ou daquilo que se quer tocar? A tecnologia transformando nossas relações e nós transformando a tecnologia. Conectar é realmente conectar? Escrever poesia em Mato Grosso é estar distante de São Paulo? O quão longeperto estamos do centro e o quão pertolonge estamos da margem?
Em Cuiabá, Mato Grosso - o lugar onde este texto é escrito -, a nuvem de fumaça existe há muito tempo. Os céus já são escuros e o clima quente sempre carregou um certo desespero – e mais – um certo despreparo para tudo que, por exemplo, São Paulo enfrenta agora. Hoje, para além de ser um autor mato-grossense, sou um poeta e, portanto, tenho a revolta como um horizonte possível. Nas palavras de Helio Oticica:
Eu incorporo a revolta
E a vontade da revolta tem sido uma conexão forte entre os poetas de todo o Brasil. A revolta nos faz longeperto – nos permite sentir acolhidos, aproximam afinidades – e essa distância que dilata e comprime é um combustível para entender – e sentir – que estamos distantes da revolução – que é toda pautada no construir da história -, mas próximos, muito próximos da revolta, que é pautada, principalmente, no destruir do que está posto. Em Paulo Ferraz (meu conterrâneo que nunca vi ao vivo), encontro esta revolta que me é mãe e filha:
“(...)
Projeto o poema como
um artefato explosivo;
um composto de imagens
que uma vez detonado
despedace o edifício
de ignorância que grassa
(...)
Sentir essa revolta é uma solidariedade consigo mesmo. Um ato de profunda rebeldia interior. Imaginar este mundo possível e, mais do que se indignar, é armar poemas feito bomba. É fazer do muro a página, e da cidade o livro. Imaginar um novo povo, o povo que falta. Um povo que creia no mundo que ele deverá criar com o que de mundo nós deixamos a ele, como diria Viveiros de Castro. As distâncias se destroem enquanto a revolta do poema nos une.
É necessário reclamar para si a violenta intensidade do poema e subverter os parâmetros de distância - e esta tarefa exige profunda reflexão, afinal, existem diversas variáveis sociais que podem propor caminhos mais longos, mas ainda acredito na genuína capacidade de se revoltar e repensar, realinhar, reestruturar, reconhecer no outro o que tem de potente.
“Existe uma diferença entre Fragilidade e Fraqueza.
A Fragilidade é o quão rápido você chega ao âmago, e não o quanto ele aguenta”.
(Michel Mellamed)
É mais do que urgente a apropriação de nossas distâncias. Nós iremos dizer quais são elas e conheceremos profundamente cada uma das nossas fronteiras, não com o intuito de protege-las, mas de devorá-las. Iremos virar o cânone de cabeça para baixo e dançar sob os esqueletos miúdos daqueles que um dia ousaram dizer que existem fronteiras insuperáveis – e daremos a essa dança a irreverência e a nossa cara. A cara que propõe um mundo possível, um mundo que celebra a revolta como estágio necessário da vida, um mundo que valoriza a queda tanto quanto o salto e o voo. Um mundo que para e aceita sua derrota. Repensa o novo e propõe a magnífica e explosiva poesia.