Anna Maria Ribeiro Costa
É doutora em História pela UFPE e Professora do Univag. Chegou às terras do povo indígena Nambiquara na Primavera de 1982. Dos índios recebeu o nome Alusu, por conta de seus hábitos alimentares. Nessas terras, conheceu José Eduardo, com quem tem dois filhos: Theo e Loyuá. Vem se dedicando aos estudos sobre os povos indígenas de Mato Grosso, com especial atenção ao Nambiquara.
SIUINTYALUSU:
ASSOMBRAÇÃO DAS MATAS ESCURAS
São códigos identitários do povo indígena Nambiquara as perfurações do septo nasal e do lábio superior e seus respectivos adornos. Atualmente habita diversas aldeias de um território descontínuo, de ocupação milenar, a Oeste de Mato Grosso e Sul de Rondônia, na Serra do Norte, Vale do Guaporé e Cerrado. Seus mais de trinta grupos possuem particularidades que se fazem presentes em sua cultura material e imaterial.
Os grupos do Cerrado, Halotesu, Kithãulhu, Sawentesu, Wakalitesu, Niyahlosu, Siwaihsu e Hinkatesu acreditam na existência de um número surpreendente de seres sobrenaturais, de índoles boa e má. Suas moradas são as montanhas, nascentes d’água, buritizais, brejos, cachoeiras, lagoas e rebojos. Mas, podem sair de seus lugares e confrontar crianças, jovens e adultos em suas casas, nos lugares de caça, de pesca e de coleta.
Dentre os seres sobrenaturais que assustam, perseguem, matam e devoram pessoas está o temido Siuintyalusu, ser malfeitor do mundo da noite, da escuridão. De estatura extremamente alta, sua cabeça possui apenas um fio de cabelo, enquanto sobrancelhas, axilas e barba são fartas de pelos. Tem testa estreita, de cor branca, nariz afilado, boca pequena, dentes pretos. Suas mãos possuem dois dedos; seus pés são avantajados e exibem dedões tão grandes que os demais se tornam minúsculos. Partes de seu corpo se assemelham às dos animais: orelhas e braços como as do macaco coatá; pênis como do morcego.
Siuintyalusu, que traz em seu peito uma luz, não pronuncia palavra, grunhido algum. Entidade valente, ainda que não flexione cotovelos e joelhos, consegue andar e voar. É assustador vê-lo tocar o chão com os pés para tomar novo impulso para continuar voando. Somente índios mais experientes conseguem perceber de longe sua presença, quando escutam a movimentação de seu voo ou do balanço dos troncos das árvores que se agitam com seu pouso. Dançarino, exibe sua cabeça com cocar de palha de buriti e seus tornozelos com chocalho de coco, também de buriti. Possui uma uãru, flauta, que deve ser vista e ouvida somente pelo wanintesu, o pajé. Se outra pessoa escutar adoece e pode morrer, dependendo da doença que contrair.
Casado, com filhos, Siuintyalusu gosta de bichos de estimação: cria lagarto, quati, gavião, marimbondo, coatá e cobras pequenas. É à noite que ataca, quando invade aldeias e carrega mulheres, de preferência menstruadas; crianças podem acordar assustadas, por sentirem que o ser sobrenatural está por perto ou por terem sonhando com ele. Nesses casos, mães costumam colocar sua palma da mão sobre a fronte do filho e soprar, da cabeça aos pés.
Pajés poderosos podem espantá-lo ou matá-lo. Espada, machado de pedra, flecha de ponta arredondada ou espingarda são usados pelo pajé para matar Siuintyalusu. Mas, é preciso acertar seu peito com espada ou seus joelhos com flechas, únicas partes mortais. Mas, quem pensar que ao morrer, do monstro ficará livre para sempre, está muito enganado! Macacos coatás podem se transformar em Siuintyalusu se forem caçados à noite e seus corpos levados para a aldeia para serem preparados e ingeridos. Somente no dia seguinte, com Sol no céu, o animal abatido deve ser recolhido pelo caçador.
Dizem os indígenas que Siuintyalusu é o mais perigoso entre todos os seres maléficos que percorrem suas terras. Faz sua casa no oco de grandes troncos das árvores, nas matas escuras. Perigoso andar próximo dessas árvores, porque ele está sempre à espreita. Desce rapidamente e, como um pássaro, agarra a pessoa incauta e a leva para sua casa para devorá-la. Para evitar confrontos com o monstro, o melhor a fazer é ouvir a sabedoria dos pajés que, ao redor das fogueiras acesas, ensinam boas maneiras.