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Aparecido Carmo
Natural de Cuiabá, é jornalista e estudante de mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea na UFMT. É coautor do livro “O obituário no jornalismo” ao lado de Paulo da Rocha Dias.

UMA PRESENÇA INCÔMODA

Seis e quinze da tarde. Linha 711. Maria Taquara. Ela entrou muito rápido por uma das portas traseiras do ônibus, comportamento comum daqueles que tentam conseguir embarcar sem pagar a passagem. Seu estado era deplorável e enquanto caminhava do meio para o fim do veículo atraía a atenção dos demais passageiros – senão por seu aspecto doente, pelo mal cheiro que impregnou o lugar.
Duas senhoras do outro lado cochichavam em desgosto.
“Alguém devia era tirar isso daqui”
“Esse mundo está perdido mesmo”
O rapaz sentado atrás dela abriu o máximo que pode a janela, tinha o rosto quase todo para fora. Alguns poucos passageiros preferiram ficar em pé a sentar ao seu lado.
Não demorou muito para que o coletivo ficasse lotado, mas a cadeira ao lado dela continuava vazia. Absorta na paisagem parecia não reparar a reação que provocava. Seus cabelos sujos e o cheiro forte de podre demonstravam que não tomava banho há algum tempo e o vestido encardido deixava claro que não tinha outra vestimenta.
O excesso de ossos a mostra poderia indicar que não comia bem nos últimos tempos ou que o vício em alguma droga pesada lhe sugava aos poucos a vida. Ou as duas coisas ao mesmo tempo.
Duas paradas à frente, uma senhora exausta do dia de trabalho se senta ao seu lado. Mas de costas e com a bolsa bem protegida, como se a outra pudesse tentar roubá-la a qualquer momento.
Ela não pareceu notar e se notou não demonstrou se importar. O que via da janela parecia muito mais interessante.
Quando o ônibus já começava a esvaziar outra vez, ela se levantou – e, uma vez de pé, tornou a ser o centro das atenções. Puxou o cordão que indicava que alguém queria descer e se posicionou em frente à porta. Ela seria a única passageira a saltar ali. Aquela era uma região industrial, naquele horário as ruas estavam desertas, a não ser pelos caminhoneiros que paravam para descansar e as pessoas dispostas a trocar seu corpo por dinheiro.
Após a curva, o ônibus parou. As portas se abriram. Ela se desequilibrou e levou dois ou três segundos a mais para descer o primeiro degrau. A motorista, apressada, gritou lá da frente:
“Sai logo, sua bichona”.

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