Anna Maria Ribeiro Costa
É doutora em História pela UFPE e Professora do Univag. Chegou às terras do povo indígena Nambiquara na Primavera de 1982. Dos índios recebeu o nome Alusu, por conta de seus hábitos alimentares. Nessas terras, conheceu José Eduardo, com quem tem dois filhos: Theo e Loyuá. Vem se dedicando aos estudos sobre os povos indígenas de Mato Grosso, com especial atenção ao Nambiquara.
AMOR DE ÍNDIO
Relações sexuais entre humanos e inumanos ou com espécies da fauna e da flora são comuns nas crenças e nas narrativas mitológicas de diversos povos indígenas. Na sociedade Nambiquara, humanos, especialmente os do sexo masculino, podem manter relações sexuais com plantas, animais e seres sobrenaturais. Um pajé Nambiquara tem duas mulheres: uma mulher humana e outra inumana. Na puberdade, desposa de uma jovem, união arranjada entre seus pais e os da nubente; mais tarde, quando estiver de posse de seus poderes xamanísticos, uma mulher-espírito o procurará para casamento. Das relações sexuais, nascerão crianças-onças e uma grande variedade e quantidade de frutas que abastecerá a aldeia naquele ano.
Ao se unir a uma mulher-espírito, o pajé acumula mais poder. A mulher-espírito tem liberdade de procurar pajés para se casar. Como são espíritos da natureza, não possuem laços de parentescos com nenhum Nambiquara e, por isso, estão desapegadas às regras que direcionam a teia matrimonial. Acham-se livres para escolher aquele que mais lhe agrada e permanecer em sua companhia enquanto estiver enamorada. Mas, se o esposo-pajé e os moradores da sua casa lhes causarem alguma dor, a mulher-espírito poderá ir embora, quando procurará outro o pajé.
Nos rituais de cura, mulheres-espíritos auxiliam o pajé no diagnóstico da doença e indicação medicamentosa à base de plantas medicinais ou mesmo, em menor escala, de animais (caldo de caninana e de perdiz). Assim como a esposa-humana do pajé permanece ao seu lado nas sessões de cura para abastecer de chicha o caldeirão e para acompanhá-lo na cantoria, sua esposa-espírito, também representada por uma onça, coopera no processo de cura e ensina-lhe novas cantigas. Dona de ornamentos mágicos, moradora das cavernas, sua imagem assemelha-se à da mulher humana, mas de beleza superior. Ela conta com a colaboração de outras mulheres-espíritos, suas irmãs, para abastecer a mata e o cerrado de frutos e tubérculos, resultado das relações sexuais com o pajé.
O pajé deve cultivar com astúcia um ambiente familiar harmonioso para sua esposa-espírito, a fim de que ela permaneça ao seu lado, junto a sua família. Todos usufruem da união do pajé com uma mulher-humana e com uma mulher-espírito, pois podem contar com sua proteção contra espíritos sobrenaturais que sempre estão à espreita, à espera do momento oportuno para lhes fazer mal. Mulher-humana e mulher-espírito são parceiras.
Sem os poderes de uma mulher-espírito, que pode se metamorfosear em onça, o pajé jamais terá a credibilidade dos demais moradores de sua aldeia. Ele precisa ter muita habilidade com sua esposa humana e com sua esposa-espírito para que possa usufruir de suas companhias por tempo duradouro, a engrandecer seus poderes, sua notoriedade como pajé.