

Ângela Coradini
É poeta, realizadora audiovisual e pesquisadora. Poeta com o livro “…Já não podem ser amanhã” (no prelo). Realizadora audiovisual com o curta-metragem O Conto da Perda (2019). Pesquisadora com Doutorado em Cultura Contemporânea e tese publicada no livro “Imagens-espectro de futuridades no Amplo Presente” (2019), pela Edufmt. É editora na revista eletrônica Ruído Manifesto e compõe o Coletivo Audiovisual Miraluz.
POEMA 34
“anoiteceu?”
ou só uma nuvem atenuou o sol?”
divago, enquanto a luz,
tão tímida, vaza
nos entremeios da janela
quente
o teu sono vai pesando
em mim
percebo ser tarde da tarde
mas não me movo
deixo a tua respiração, funda e lenta,
rasgar a minha pele
vez
após
vez
e pelo embalo do teu hálito
deslizo
entre sono e vigília
tu te moves
encaixa, ainda mais, meu pequeno corpo
no teu
e na rouquidão do descuido,
o murmúrio:
– que horas são?
e em te olhar eu me lamento
“não queria ter de ir”
mas até com as pernas, tu me moldas
minha alma grudou na tua
preciso encontrar ar para cochichar:
– preciso ir…
mas tu me afrontas:
– e pra onde você vai?
despenco sem me soltar de ti…
“não sei”, quero dizer
“nem sei porque eu disse isso”, quero acreditar
entardece mais uma hora,
e sob o teu calor ainda me deixo
tu reclamas:
– pés gelados. sente frio?
eu me entrego
– meu coração deve bate devagar.
mas tu me contradiz:
– não, é porque ele bate mais depressa…
(na pausa,
entre uma palavra tua e outra,
te olho querendo concordar
“o meu coração é mesmo
de-ses-pe-ra-do!”)
até que concluis:
– …. mas não funciona com força suficiente. escuta o meu.
me derrubo no teu peito
querendo dizer
que já te escutava, há horas,
dizer que escutava
a tua calma
batendo
o teu peito tão preciso
tão certo
batendo
tão seguro
batendo
nos meus ouvidos
nas palmas das minhas mãos
batendo
até dentro de mim
dando nó atrás de nó
“por que diabos eu te ouvi por dentro?”
batendo
nó
atrás
de nó
cada batida tua
me bagunçando
me acelerando
me fazendo funcionar
cada vez
mais quente
entregue
e mais.