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Ana Cristina César (1952-1983)
Pertencente a geração mimeógrafo, foi uma poetisa, crítica literária, professora e tradutora brasileira.

ARPEJOS

1
Acordei com coceira no hímen. No bidê com espelhinho
Examinei o local. Não surpreendi indícios de moléstia. Meus
olhos leigos na certa não percebem que um rouge a mais tem
significado a mais. Passei pomada branca até que a pele (rugosa
e murcha) ficasse brilhante. Com essa murcharam igualmente
projetos de ir de bicicleta à ponta do Arpoador. O selim
poderia reavivar a irritação. Em vez decidi me dedicar à leitura.

2
Ontem na recepção virei inadvertidamente à cabeça contra o
Beijo de saudação de Antônia. Senti na nuca o bafo seco do
susto. Não havia como desfazer o engano. Sorrimos o resto da
Noite. Falo o tempo todo em mim. Não deixo Antônia abrir
Sua boca de lagarta beijando para sempre o ar. Na saída nos
beijamos de acordo, dos dois lados. Aguardo crise aguda de remorso.

3
A crise parece controlada. Passo o dia a recordar o gesto
involuntário. Represento a cena ao espelho. Viro o rosto à
minha própria imagem sequiosa. Depois me volto, procuro nos
olhos dela signos de decepção. Mas Antônia continuaria
das rodas me desanuvia os tendões duros. Os navios me iluminam.
Pedalo de maneiro insensata

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