Adriano de Paula Rabelo
Nasceu em Minas Gerais. É doutor em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo. Tem sido professor em universidades do Brasil e do exterior, atuando também como tradutor e editor. É autor dos livros de contos Desabraçar (São Paulo: Patuá, 2018, finalista do Prêmio SESC de Literatura) e O amor é um abismo furtivo (São Paulo: Aglaia, 2020), além de Ouriço: Senso incomum (São Paulo: Aglaia, 2019), coletânea de aforismos. Os dois poemas abaixo fazem parte de um projeto em desenvolvimento, explorando o grotesco por meio da sátira.
SEXTILHAS DO PASTOR
(A um vampiro de almas)
Há por aqui um pastor
Pastor que não tem cajado
Que urra um discurso inflamado
Berrando ditos de amor
Leva ao curral do Senhor
Cordeiros sem brio – gado.
Esse lobo travestido
Homem de gravata e terno
Ameaça como Inferno
O soberbo e o descrido
O biquíni e o vestido
Zurrando coisas do Eterno.
Bíblia à mão, o dedo em riste
Provoca um transe demente
E alguém lhe traz um doente
Aleijado, cego ou triste.
Farsa no palco se assiste:
Um possesso treme e mente.
Então esse homem divino
Convoca a cadeia da prece
E uma cadeia aparece.
Vocifera aos céus um hino
Toda essa gente sem tino
Que cutuca a Deus sem messe.
Mugir, grunhir em uníssono!
O enviado dos profetas
Vai formando almas morfetas
Das quais é inflexível dono.
O semeador do sono
Suga à transcendência as tetas.
Lá, no lupanar da fé,
Laranjas vêm por inteiro.
Mais de uma a cada cordeiro.
E essa gente a andar de ré
Chupando cospe na sé
Sementes que viram dinheiro.
Deus é vendido ao gentio
Cujos parcos cobres se dão
Ao implacável gavião.
“No meu pastor eu confio!”
Exclama o pobre homem pio.
Crê-se no pastor, em Deus não.
Enriquecido a usurpadas!
Ninguém na gentalha vã
Ouve passos: “tan-tan-tan!”
Nem vê de cabra pegadas
Nem sequer trilhas queimadas:
No altar gargalha... Satã!
RAIMUNDA E RONARA
Cara e bunda
Bunda e cara
Uma e outra
Carabunda
Bundacara