

Adriano B. Espíndola Santos
É natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.
PÂNICO SIDERAL
Faz três dias que não saio de casa. No jornal, falam de uma nova cepa do coronavírus, Ômicron. Para evitar qualquer dano, vedei as frestas das janelas e das portas de entrada e da cozinha. A sorte é que o meu ventilador potente foi instalado no teto do quarto antes mesmo da pandemia. Mas, como os dias estão horríveis de quentes, deixo o ar-condicionado ligado praticamente todas as horas. O governo devia pensar nas pessoas que sofrem pânico. No começo do mês, tive de pagar a conta de energia no valor de seiscentos e oitenta reais e uns quebradinhos. Maria Lúcia, minha irmã mais velha, me telefona todos os dias para saber se ainda estou viva. Ontem, porque eu estava enfurnada no banheiro, com um princípio de desarranjo intestinal, ela ficou louca; ligou insistentemente, e, não tendo resposta, veio me ver. O porteiro lhe avisou que eu não permito a entrada de ninguém; nem do papa. Ora, para Maria Lúcia isso é um acinte. Imagine só, ela passou como um trator pelo porteiro, que tentou fechar o elevador, mas não antes de ela subir as escadas, prevendo o bloqueio. Quando escutei alguém batendo à porta, tomou-me o pavor. Eu não esperava ninguém. Alcides, o porteiro, quando vem entregar a comida, liga antes e bate à porta somente uma vez, para eu não me assustar; esse é o nosso código. A porta parecia vir abaixo, quando corri para me esconder no meu escritório – ou bunker, melhor dizendo. Lá, existem suprimentos para quem sabe trinta dias após o fim do mundo. E eu estava certa de que poderia suportar o vexame, sozinha, de me ver enlouquecida no espelho. O azar, no caso, foi porque esqueci o celular no quarto. No desespero, só pensava em me salvar, de alguma forma. O celular tocou uma, duas, trinta, cinquenta vezes, até que escutei a força dobrar na porta. Pensei em invasão extraterrestre – e não era, ainda, insanidade pensar assim, já que convivíamos com monstros absurdos: coronavírus, Ômicron, etc. –; uma tropa do serviço de inteligência do Estado, ou algo mais abominável, uma turba de insanos bolsominions – sim, alienígenas do presente. Fui, imediatamente, para debaixo da mesa, uma escrivaninha de pouco mais de um metro e meio. Coloquei a cadeira na frente, como escudo. O coração estava na altura da garganta, prestes a explodir, quando ouço o estrondo. Bombas?! As pessoas haviam se transformado em zumbis?! A nova cepa era capaz de dominar a mente humana?! Eu contava com o fim dos tempos e com a potência da porta de metal reforçada do escritório. Se o prédio não caísse, eu poderia ser a única sobrevivente. Consegui colocar o colete à prova de balas e o capacete, fornido, estilo Segunda Guerra Mundial. Invadiram, de fato – eu escutava sons de pés entrando. Por um instante, ouvi a voz da minha irmã me chamando, mas imaginei que fosse alguma alucinação ou algum disfarce desses monstros malditos. “Sou eu, Maria Celeste! Pelo amor de Deus, se você estiver aí, abra essa porta!”. A voz de minha irmã estava como a dois metros de mim, muito firme, presente; eu a sentia me consolando, me ninando, como fizera em minha infância e adolescência, quando nossos pais morreram num desastre. Era ela, sim, eu sentia, e por tudo que é mais sagrado, por minha sanidade, completamente fragilizada, corri para abrir a porta e cair aos seus pés, pedindo socorro. Assim o fiz. Deite-me em seus braços. Ela estava mais desesperada que eu. Alcides nos olhava atordoado, sem saber o que fazer. Ele me viu no momento mais frágil, uma criança; contudo na hora nem pensei nisso. Chorei convulsivamente no colo de Maria Lúcia, minha única amiga e irmã. Quando recobrei os sentidos, voltou-me o pavor; estávamos decerto contaminadas pela nova cepa. “Ah, Maria Celeste, me poupe! Você e eu já tomamos as três doses! Pelo amor de Deus, minha filha! Vamos para casa. Aqui você não fica mais nem um dia!”.