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Adriano B. Espíndola Santos

É natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; e em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, ambos pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com a Revista Samizdat. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária. Membro do Coletivo de Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. 

OFÍCIO DE ENGABELAR 

Não foi a primeira vez que Timóteo quis me engabelar. Nem a pobre da Ritinha escapou. Anos e anos de uma convivência; moramos no mesmo bairro, na mesma quadra, mais especificamente, há, sei lá, vinte anos; pais amigos etc. O sacana, ainda pequeno, passava muitas tardes na minha casa, quando voltávamos da escola. Minha mãe, com todo carinho, preparava os melhores quitutes, doces e vitaminas, “para ter sustância e ficar fortinho”. Não valeu de nada, por exemplo, o videogame que emprestei; as roupas dadas; as dormidas na minha cama, enquanto mamãe me mandava repousar em sua cama ou botava uma rede na sala, porque “visita não se abanca em qualquer lugar”. O cabra era, além do mais, esbanjador; aproveitava-se da situação. Sabendo da inocente bondade de mãe, falava aos quatro ventos que não tinha comida em casa; que a mãe dele não estava indo trabalhar, porque ficara doente, coisa do tipo. Mamãe, sem averiguar os fatos, metia o infeliz na nossa casa e servia-lhe de tudo: “Meu filho não vai passar necessidade aqui”. E sempre sobrava um bocado de carinho – disso, sim, eu tinha ciúmes. Começaram a sumir pequenos objetos, na maioria imprestáveis, de dentro de casa. Tesoura, controle da tevê, relógio velho e brinquedos. Minha mãe culpou Ritinha, a minha irmã mais nova, por ser desleixada. E, para mim, uma saraivada de carões e castigos severos: “Nada de videogame por uma semana!”. Até que, com o tempo, os roubos aumentaram e ela, também sem apurar, mandou dona Lourdes para o olho da rua. Para se ter uma ideia, dona Lourdes, manca e cega de um olho, também mal sabia falar e se defender. Levou a culpa pela danação e ficou mal falada, abandonada, mendigando por aí, decerto. Mesmo assim, lógico, nada melhorou. Timóteo, o queridinho de dona Celeste, para a minha desgraça, ganhou acesso livre. Futricava em tudo que não era seu. Eu cheguei ao ponto de dizer à minha mãe que não o queria mais em casa; que ele estava atrapalhando a minha paz. “Mas olha, o menino birrento quer cantar de galo. Que eu saiba, ainda mando aqui. O coitado do Timóteo entrará e sairá quando quiser!”. Tendo, portanto, a força de um guaxinim, recolhi-me à minha insignificância. Aí, eu já tinha uns treze para quatorze anos, sabia das coisas. Percebi que Timóteo era um malandro, desses que gostam de afrontar. Decretei-o como meu inimigo, na minha mente. A sorte foi que, logo depois, o danado quis ganhar o mundo, literalmente, no papo. Cometia pequenos delitos e, por isso, a sua mãe o despachou de casa. Só aí dona Celeste entendeu; ressentida, e, com lágrima nos olhos, me pediu desculpa; disse que eu tinha razão. Perdi o bacana de vista e o encontrei, por acaso, no centro da cidade, vendendo produtos eletrônicos “originais”. Ah, ele me tratou como um rei, queria que eu tomasse conhecimento de sua “empresa” e de sua façanha de empreendedor; que havia mudado de vida. Chamou-me, insistente, para que eu fizesse uma visitinha à sua humilde mansão, num bairro próximo ao meu. Não consegui me desvencilhar da pressão e fui. Levei Ritinha, por via das dúvidas, para me socorrer, se fosse o caso. O bacana morava mesmo numa casa duplex, bem arrumada, para bancar o padrão de emergente-detergente. Depois de umas cervejinhas, ofereceu-me uns investimentos; que também trabalhava ajudando os amigos a “crescerem na vida”, como ele. Não, não comigo. Eu não tinha um puto – e nem se tivesse. Mas Ritinha tinha um dinheirinho guardado na poupança e, de lá, sem que eu soubesse, transferiu quase tudo para a conta dele; na segunda-feira, o sujeito faria a transação para a conta da empresa, para ser investido. A promessa era de ganhar os juros, muito acima do oferecido pelo mercado. Ritinha me contou do ocorrido, morta de feliz, quando retornávamos para casa. Disse que era a chance que precisava para pagar a faculdade. “O dinheiro trabalhará para mim!”. Dois, três, seis meses, um ano, e nenhuma notícia. O vagabundo sumiu. Descobrimos, em seguida, que a casa era alugada por temporada. Ora, ele alugava, aliciava as vítimas, e ali aplicava o golpe. Azar é não ter a dona Celeste conosco, nesse momento, em que o caboclo é preso na operação “Pirâmides do Brasil”. A carinha do criminoso estampa, hoje, todos os jornais. Dizem que o estelionatário enganou cerca de trezentas pessoas. Ritinha, minha amada irmã, que conhecia o ladrão, foi uma delas. Muita água vai rolar nesse rio sem fim.

© 2019 - Revista Literária Pixé.

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