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Adriano B. Espíndola Santos

Natural de Fortaleza, Ceará. Autor do livro Flor no caos, pela Desconcertos Editora, 2018. Colabora mensalmente com a Revista Samizdat. Tem crônicas e contos publicados nas Revistas Berro, InComunidade, Lavoura, LiteraturaBr, Literatura & Fechadura, Pixé, Ruído Manifesto, São Paulo Review e Vício Velho. Advogado humanista. Mestre em Direito. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.   

PAREDES OBLÍQUAS

Falo, antes de tudo, que é um experimento estranho; estranhíssimo, diga-se de cara. Não estou nos melhores dias de minha vida, absolutamente, e pensar isso me permite dizer o que quiser, para arejar, imagino. Não engulo o sucedido com Jéssica Almada. Penso que foi deveras covarde comigo; com todos, aliás. Falavam abertamente que era muito amada. Mas o amor não lhe bastou, intuo... Tantas vezes. Incontáveis vezes, lá estava, penso que para socorrê-la. Avalio que era depressão profunda. Dizia repetidamente que era incapaz, além do mais. Pensar que ajuizava assim, sobre sua incapacidade, é um conflito enorme para mim, sendo ela, penso, uma mulher imensa. Tinha duas especializações, neurologia e cirurgia geral. Aquelas mãozinhas ágeis e delicadas não comportavam, ou queriam expelir, a ansiedade. Você não sabe de nada, Fernanda, a minha mente trava, trava, percebe?! Eu não consigo sair do lugar, disse certa vez, aos prantos, lembro. Aí, elaboro que há uma pausa no tempo. Ficamos meses sem contato algum, não por nada; não foi orgulho de minha parte, quem sabe exagero, penso, mas desejei ardentemente preservá-la de minha intrepidez em resolver as coisas. Logo depois, o relato descorado que deixou a nódoa indelével, concebo, Imagine se estivesse em um corpo que sabota seus passos, seus atos, num espezinhar constante, disse. Refleti que uma médica gabaritada, como mamãe dizia com carinho ao lembrar-se dela, não conseguiu se desvencilhar da dor. Julgo que não tolhi seus passos, muito menos deixei de lhe apoiar, sobretudo nessas tortuosas veredas da medicina, e penso que isso me libera de uma pena maior; mas deixei escapar a florzinha do meu jardim com o vento forte que passou, suponho. Não se preocupe comigo, dizia, em tom de despedida; e imagino que, em todos as vezes que isso acontecia, ia se despregando um pouco da vida. Amamo-nos e nosso amor, sorrateiro, velado sob sete chaves, hoje só interessa a mim; e, por isso, descarrilho essas palavras de diário, compreendo que seja melhor assim.

© 2019 - Revista Literária Pixé.

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