Adilson Vagner de Oliveira
É professor na área de Linguagens do Instituto Federal de Mato Grosso, Campus Avançado Tangará da Serra, fez mestrado em Estudos Literários pela UNEMAT e doutorado em Ciência Política pela UFPE
ENTRE O MUNDO E O CORPO NEGRO
A relação entre o mundo e o corpo negro
marcou-se pelo legado da violência estrangeira,
acreditaram na realidade da raça, filha do racismo,
negaram o direito ao governo do próprio corpo.
A polícia parece munir-se da autoridade para destruí-lo,
a destruição tornou-se apenas mais uma forma de dominação,
materializada nos enquadros, revistas, espancamentos e detenção.
Tudo muito comum para as pessoas negras e coisa também antiga
O racismo é a uma experiência visceral do corpo negro,
pode-se romper os miolos, bloquear a respiração à força,
quebrar seus ossos e dentes, rasgar os músculos a ferro,
Em caso de dúvida, cobrir o corpo negro de tiros perdidos,
sempre que acharem conveniente à uma pseudoprudência.
Como se vive dentro de um corpo negro?
A pergunta é a resposta em si mesma
Pode-se viver livre dentro do corpo negro?
A ameaça da violência a todo instante
fratura qualquer concepção de liberdade
Um corpo negro na madrugada torna-se alvo.
Um corpo negro na calçada torna-se suspeito.
A mãe negra dorme com medo do chamado,
O custo dessa morte soa ser de menor impacto,
como é fácil para o negro perder seu corpo em diálogo
Corpos inferiorizados de justiça e de autogoverno,
uma guerra eterna pela posse nula da própria carne.
As dores de partos renegadas pelos anestesistas,
A luta para seu ouvido primeiro e não machucado.
O amor humano é de fato um ato entre heróis,
não há nada heroico no ódio violento do mundo.
A destruição dos corpos negros insulta a humanidade,
mas segue uma aceitação da vontade democrática.
A relação entre o corpo negro e esse mundo
baseia-se na descorporificação assassina
UMA SENTENÇA DE COR
Vi brioso o movimento fácil do corpo preto
Um infante de pele brilhante e sorriso crespo
Motivei o deslize dos braços em compasso batido
Pernas de molejo elíptico se libertaram cedo
Incentivei a ancestralidade construída na cor
Um pirralho ágil de lindeza escura
A dança ordenada do ventre humilhava a moldura
O gesto de mãos em infinito vento hábil de miúdo
A rigidez do cabelo se rendia ao toque do som noturno
Encorajei a desenvoltura da corrida infantil em cambada
Quando deixou de correr como um pretinho contente
E tornou-se um perigo coletivo iminente?
Em que idade se desligou da proteção doméstica?
Não percebi sua conversão de corpo preto
O batismo branco de potencial delinquente
Na rua, correr virou risco de etiqueta marginal
O tamanho do cabelo nutriu a bruta revista policial
Silenciar os braços fez surgir sua única defesa
A translação das mãos só para cima da cabeça
Avisa em avanço o rumo do gesto manual
Portar sempre o documento da existência arriscada
Jamais saltar o muro noturno da própria morada
Quando deixou de ser o moleque inocente?
Ensinei a parar o movimento do corpo em perigo
Recomendei o aceite imune da violência da farda
O lábio grosso virou vestígio de crime urbano
O peito preto passou a ameaçar a paz da arma
A noite tornou-se tortura de vigília materna
O peso de um joelho sobre o pescoço plano
Ninguém mais pôde respirar o ar do engano